O moleque se dirige ao Mineirão. Rindo à toa. Em sua mente passavam imagens de Tostão e Dirceu Lopes arregagaçando com o Santos de Pelé. Tinham ganho, no recente Mineirão, por 6 a 2, impondo a maior humilhação na carreira de Pelé. No jogo de volta, arrebentaram o Santos em pleno Pacaembu por 3 a 2. Alguns diziam que Tostão era melhor que Pelé. O moleque mostrava os dentes brancos em plena confiança no escrete celeste. Afinal, estava indo para um jogo de campeonato mineiro contra um time da roça. "Cumprindo tabela" era o que o moleque pensava. Não tinha ingresso, mas sabia que por sua baixa estatura e sua malandragem, entraria facilmente no estádio. No meio da confusão, num toque de alguns segundos, já estava na geral. Gargalhou para si mesmo, pensando em como era esperto. Posicionou-se entre os adeptos e aguardou o apito inicial. O time interiorano massacrou o Cruzeiro. Meteu vários gols. O moleque não queria acreditar. Quando o árbitro apitou o final do jogo, a criança sentiu seu corpo tremer. Era uma sensação que evitava entre outros moleques, mas ali, entre desconhecidos, deixou aflorar. Chorou. A mistura de dor e tristeza faziam com que as lágrimas brotassem e escorressem sem parar. Ele não sabia o que fazer. Colocava a camisa celeste no rosto e chorava. Tentava camuflar sua dor, escondia o rosto e num tormento inerente, não conseguia parar de lacrimejar fortemente. Ele tinha ouvido falar de ataques cardíacos em sua família e na sua inocência infantil, achou que poderia estar tendo um piripaque.
Caminhava pelas ruas do Barro Preto e não conseguia parar de chorar. Sentiu-se ridiculamente impotente ao passar pelos transeuntes naquele estado de cachoeira lacrimejante. Chegou em casa e fechou a porta do quarto. Felizmente, seus dois irmãos não estavam em casa. Continuou o chororô por largas horas, deitado na cama.
Acordou no dia seguinte e pensou na verdade irreal que escarrava em sua cara. Pegou o jornal de seu pai e viu que não tinha sido um sonho. Um time caipira tinha destruído o Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes, Raul Plassmann, Piazza e outros craques. Teve que sair de casa. Sentou no passeio em frente à sua casa e tentou lembrar do acontecido, no entanto, as lágrimas não permitiam. Chorava como criança que era.
Sentiu tanta raiva de si mesmo que começou a socar o paralelepípedo. Lembrou de meter a porrada em caras muito maiores, em mergulhar no rio de Aimorés com suas correntezas traiçoeiras, em jogar bola descalço e sair trombando em todo mundo para fazer o gol da vitória. Esfregou os olhos com força e prometeu que nunca mais torceria por time nenhum. Nenhuma equipe merecia que ele sofresse tanto...
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20 anos depois, esse ex-Cruzeirense levou seu filho a um fim de semana em BH. Mostrou o Barro Preto onde jogou muita bola, comentou que trocou passes com Tostão e apontou os mercados onde roubava bolinhas de ping-pong. Juntos, atravessaram a rua (o filho se sentiu temoroso ao ver tantos carros, mas confiou no pai) e entraram no cinema. Seu filho, nascido em cidade interiorana, não sabia o que significava a escuridão de uma sala de cinema (o pai insistia que ele já tinha ido ao cinema para ver ET, mas o filho não se lembrava. Preferiu nem mencionar que quando o filho era bebê o levou para ver
Superman e ele chorou tanto que teve que sair do cinema.). A criança disse ao pai que precisava ir ao banheiro. O filho voltou e sentou-se ao lado do progenitor.
Na tela, um adolescente conversava com um velho sobre viagem no tempo. Era difícil ler as legendas rapidamente, mas o filho se adaptou velozmente e conseguiu pegar o contexto de cada cena. 88 milhas por hora. Essa era a velocidade necessária para viajar no tempo segundo o filme. Inconscientemente, Michael J. Fox tinha se tornado seu ídolo.
No dia seguinte, o pai atravessou a rua de mãos dadas com o filho. Entravam novamente naquele paraíso escuro chamado cinema. Os Goonies resolviam todas as situações com engenhosidade. O filho, que até então pensava em ser agrônomo, refutou tudo que desejou anteriormente e ansejou a possibilidade de trabalhar com a sétima arte. Sem saber, ao contrário do pai no fatídico jogo do Cruzeiro, expurgou todas as suas emoções e se sentiu livre em forma de sentimento.
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Menos de uma década depois, o pai disse que o filho tinha que ver um filme. Ele próprio tinha ficado impressionado com o grandiosismo épico de uma obra dirigida por um ator. Os dois foram para o escurinho do cinema e o filho concordou com o patriarca: aquele filme sobre um americano que se revoltava contra a própria pátria para proteger os indios era maravilhoso. ***Muitos anos depois, o meu professor ídolo, Foster Hirsch, disse que
Danças com Lobos de Kevin Costner era um filme de amor... de Kevin Costner por ele mesmo. Sim, o egocentrismo exacerbado estava lá, mas não deixou de ser um grande filme/blockbuster.***
Ali, o filho declarou de uma vez por todas que queria viver da emoção e essa emoção estava no cinema.
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2009 - Seu filho era Atleticano. Como tinha "decidido" não torcer mais por time nenhum, o tio materno de seu filho tinha influenciado e feito o garoto torcer para o Galo. Sentindo-se sozinho e vendo o Cruzeiro na final da Libertadores, decidiu comprar uma passagem para BH. Aterrisou na capital mineira, foi para a casa de sua mãe e sem dizer nada a ninguém, abandonou sua mala e foi para a rua. Seu destino era o Mineirão. Chegou ao estádio e comprou o ingresso na mão do primeiro cambista que apareceu em sua frente. Foda-se o preço, ele pensou.
Entrou e reviveu todos aqueles momentos de grandeza do Cruzeiro. Sorriu como quando era criança. Cruzeiro 1 x Estudiantes da Argentina 0. Estava encaminhado. Vibrou no meio de uma porrada de desconhecidos. Aí apareceu um sujeito marrento, argentino, chamado Veron. O Estudiantes vira o jogo e leva a Libertadores. Em pleno Mineirão, o pai pensava. Raiva. Chorou. Caceta! Eu tinha prometido não torcer e sofrer por mais time nenhum, ele pensou. Voltou para a casa de sua mãe revoltado e sem dizer nada a ninguém, pegou o avião de volta ao Espírito Santo. Dessa vez eu juro, nunca mais torço por time nenhum, ele pensou em meio às nuvens.
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Olimpíadas 2012 - O Ney Franco abandona a Seleção brasileira que ele montou, treinou e competiu a favor do Mano Menezes. Mais uma vez não conseguimos ganhar a maldita medalha de ouro olímpica. O filho lembra que seu pai deu aulas à Ney Franco e sente-se chateado pelas burradas do Mano. Segue o jogo de vôlei feminino e ganhamos o Ouro. O filho toca o terror no boteco. Grita, torce e incendeia todos os clientes. Sorri. Tem que torcer e apoiar, ele pensa. Lembra novamente do pai que finge suprimir todas as suas emoções e não torcer por time algum. Hesita em ligar e resolve escrever em seu blog o que pensa. Seu pai tem agora 60 anos. Nunca é tarde para mudar a mentalidade de que homem não chora. Ele lacrimeja ao finalizar o texto e tem a certeza que emocionará seu pai também.
Feliz dia dos pais, Márcio Leite.
PS- Chorei muito ficcionalizando suas aventuras de moleque assistindo ao Tostão. A emoção não é vergonha e o choro é nobre. Te amo muito, pai (prova disso é colocar o símbolo do Cruzeiro no meu blog). Muitos beijos.