domingo, 4 de maio de 2014

Quem Não aRRisca...?

Tenho mais tempo solteiro do que namorando nesses 35 anos de vida. Hábitos se formalizam e acabamos nos acostumando. Sempre fui um Loner. Existem pessoas que não conseguem ficar sozinhas. Necessitam de um grupo para sair, para ir ao cinema, viajar. Algumas das melhores viagens da minha vida fiz sozinho. Não ter amarras, colocar uma mochila nas costas e partir sem dar satisfações a ninguém é libertador. Gosto de andar sozinho. Falo sozinho. Contemplo sozinho. O prazer de me perder andando de bicicleta em Amsterdam e ver as luzes do lindo porto da cidade. Parar o carro a poucos quilómetros de Las Vegas para ver o pôr-do-sol e os neons acendendo. Percorrer Frankfurt freneticamente entre dois vôos, bebendo pelo caminho e relembrando minhas aulas de alemão. Caminhar durante horas pelas areias de Arraial d'Ajuda com o sol e a chuva se alternando em um belo espetáculo. Momentos que apenas seriam possíveis diante da minha solidão, da minha liberdade.
"Antes só do que mal acompanhado" é um dos meus ditados preferidos.
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Em Into the Wild o personagem de Emile Hirsch queima dinheiro, abandona seu carro e parte para viver isolado no Alaska numa tentativa de auto-descobrimento. Ele sobrevive num ambiente altamente hostil, sozinho, contando somente consigo mesmo. Envolto pelos sons da natureza, ele lê, contempla e chega a conclusões. Lendo Dr. Zhivago, uma passagem desperta sua atenção e tudo se ilumina para o protagonista: "Uma felicidade não compartilhada não é felicidade". Por mais que precisemos nos isolar em alguns momentos, precisamos do próximo em algum momento para compartilhar. A troca de conhecimento, de experiências, de carinho e amor é fundamental para nossa existência. Já estive mentalmente no Alaska por muito tempo, estou com frio...
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Eu sofro por amor. Amar pode ser mágico mas também pode ser doloroso. A cicatriz remanesce. Visível. Memória constante daquilo que já não é. Mecanismos de defesa surgem. Inconscientemente bloqueio minha visão a qualquer pessoa interessante. A cicatriz. Olho para a cicatriz e saio do recinto. Dizem que o tempo cura tudo. Sou ansioso pra cacete. Não gosto de contar com o tempo.
"Enquanto a grama cresce, o cavalo passa fome" é um dos meus ditados preferidos.
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Um dos personagens da ficção com quem eu mais me identifiquei até hoje foi o Miles de Sideways. Interpretado espetacularmente por Paul Giamatti, ele é um escritor expert em vinhos que está totalmente deprimido desde que sua mulher o abandonou há alguns anos. Ele está no limite do alcoolismo e sua depressão é crescente. Em uma dada altura da trama, ele descobre que sua ex-mulher está grávida do novo marido. Miles vai para um fast-food qualquer e bebe um vinho premiado num copo descartável. Ele guardava aquele vinho para um momento perfeito. Eu também bebi um vinho muito caro que eu guardava há anos para uma ocasião especial. Queria ficar livre daquela garrafa que me pressionava a ter um momento perfeito com uma mulher para que pudesse degustá-lo. No meu caso foi libertador. Olhar para a cicatriz se tornou mais natural.
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Fui pego de surpreso. A intenção era beber um vinho e degustar um polvo. Um vestido rodopiou na minha frente. Os saltos bateram no tablado. Esqueci da cicatriz, disposto a mergulhar. Quero viver sem restrições. Quero ir com muita sede ao pote mesmo. Assusta? Pode ser, mas minha persona se comporta assim. Não sei disfarçar quem sou, camuflar meus ímpetos. Não me importo de acumular outra cicatriz. Me importo de não arriscar.
"Atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher" é um dos meus ditados preferidos.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Revolucionário ImPoTENTE


Sacaneei o tricolor. O cara estava prestes a ser campeão brasileiro e não tinha ido a um único jogo no estádio. Viu tudo pelo pay per view. O Fluminense foi campeão com uma média de público horrível. Que absurdo, eu pensava. Imagina o Galo. Estádio sempre lotado, torcida fanática. Uma torcida assim que merecia ver seu time sagrar-se campeão. Uma torcida que comparece, que está sempre lá nós momentos de tristeza e de alegria.
Tudo isso se esvaneceu hoje (20/06/2013). 
Todos na produtora foram liberados mais cedo. Os funcionários em rebuliço para partir para a manifestação no centro do Rio. Eu desci com o diretor e outro editor. Câmeras a postos para gravar esse momento histórico de mobilização tupiniquim. De repente, o diretor anunciou que iria passar em sua casa para pegar um microfone. Perdi o gás. Ia demorar. Estava na pilha de ir logo. Esmoreci. Peguei o primeiro ônibus rumo a Botafogo. 
Sentei no meu boteco escritório com dois telões para acompanhar todos os detalhes da mobilização nacional. 1 milhão de pessoas nas ruas do Rio. Me senti como um tricolor de pay per view. Minha vida em manifestacões passou pela mente como um filme: inúmeras marchas a favor da legalização da maconha, contra nefastas práticas corruptas na política, contra o Mcdonalds, por melhores condições do ensino público... Até contra as touradas em Portugal já me manifestei. Como presidente do grêmio de estudantes já paralisei minha escola com o movimento estudantil e fechamos uma via principal em pleno dia útil. Pensei: estou sendo omisso? Me alienei? Estava eu, num boteco, vendo nego tomando gás lacrimogêneo na fuça, impotente. Logo eu que criticou aqueles que não votaram no Gabeira porque foram viajar no feriado ou que foram fumar maconha na praia. 
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2002. Sento para ver uma exibição comemorativa de Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri, 1966, dir. Gillo Pontecorvo). O povo revidando violentamente contra anos de colonização francesa. Apenas um ator profissional no filme. Todos os outros foram retirados de seus habitats naturais de revolta e transformados em atores. Vivendo em guetos fortificados da capital, a população colonizada era prisioneira em sua própria terra. A revolta sem violência parecia inviável. Numa série de atentados no mesmo dia, a rebelião toma proporções bélicas. Uma obra prima da sétima arte. Fernando Meirelles já confessou que esse filme foi uma de suas inspirações para realizar Cidade de Deus. Para mim foi uma inspiração para a minha vida artística e social.
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Nas presentes manifestações pelo Brasil, o vandalismo e a violência, criticados pela mídia e até pela maioria dos manifestantes, se faz presente. A imagem dum policial sangrando rodou pela internet. Eu nunca agrediria mas o cara que foi oprimido pelo poder, que já tomou tapa na orelha por fumar um baseado, que subornou sob pressão, vai meter o cacete no PM se tiver oportunidade. Dente por dente. Me chamem de desumano mas fico mais puto com nego pichando o Paço Imperial, um dos poucos prédios antigos preservados no Rio de Janeiro. Mas também não tenho como julgar. A fúria é inexplicável. A revolta é legítima mesmo que injustificável. 
Sempre que vejo tais situações extremas, me recordo de Ônibus 174, um dos melhores documentários já produzidos até hoje. Fala da popular história do sequestro de um ônibus no Rio em que diversas mulheres ficaram à mercê da arma de um assaltante. Acompanhei pela TV o episódio durante todo o dia. Quando o bandido foi capturado e a população tentou linchá-lo, confesso que tive extremo ódio daquele criminoso. Durante o documentário, aprendemos que Sandro (ele deixa de ser só o sequestrador do ônibus e passa a ter um nome), viu sua mãe ser assassinada à facadas na infância. Sem família (uma tia tinha sua guarda mas, como em muitos lares pobres, não tinha como tomar conta do menino pois trabalhava durante todo o dia). Ele passa a frequentar e dormir nas ruas e a viver de pequenos assaltos e esmolas. Ele sobreviveu miraculosamente à chacina da Candelária que deixou 8 jovens mortos à sangue frio pela polícia. Do crime, entrou na cocaína e aí aquele abraço. Durante o documentário, todos os depoentes afirmam que Sandro era uma pessoa pacata e gente boa (até mesmo o carcereiro, de uma das inúmeras cadeias por onde passou, dizia isso). Sandro deixava de ser invisível para a sociedade ao se tornar manchete de jornal. Uma vítima da sociedade. 
No momento, a sociedade se encontra tão desamparada quanto Sandro. Já tomou muita porrada. Já deixou muito dinheiro suado no bolso de muitos políticos. E essa sociedade não vê retorno. Quando um animal se sente encurralado, ele ataca. Demorou muito para o bicho brasileiro acordar e mesmo que tenha sido um rompante temporário, ele acordou. Apesar do Jornal Nacional da Globo tentar manipular as imagens para que acreditemos que as manifestações foram atos bárbaros sem sentido, a maioria sabe que não é por aí. A maioria se manifestou pacificamente e tivemos uma minoria revoltada que depredou. Toda guerra tem efeitos colaterais. Fico puto ao ver gente pilhando e vandalizando, mas entendo. São muitos anos levando porrada sem reagir. Alguns perdem a cabeça. É normal, apesar da mídia achar que não é.
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2006. Minha mãe passou a vida inteira dizendo que eu tinha que assistir Z de Costa Gavras. Vi.
O conteúdo é espetacular. Busca-se justiça contra o assassinato de ativistas que não queriam mísseis americanos em território grego. O governo Grego afirma que foram acidentes, mas acredita-se que seja queima de arquivo. O poder oprime e tenta sempre tirar a legitimidade dos fatos reais. Mas a luta continua até os argumentos de um investigador prevalecerem. Nada acontece nos olhos da lei mas a população sabe da realidade. Esse é o primeiro passo para acordar.
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O Brasil está ciente das bandalheiras. Passo um: completo. Faltava acordar e agir. Estamos aí. Lembrando sempre que a urna é o melhor meio de mudança. Acredito nisso. Sempre.
Vi uma postagem no Facebook de um amigo que trabalha no centro do Rio: "vou sair mais cedo do trabalho, tô muito velho pra Che Guevara."
Esse sou eu? Tô velho pra essas porras?
Não. 
Estou focado profissionalmente, mas minha vida pessoal está um pouco confusa. Me sinto cansado. Me sinto angustiado. Não estou me sentindo bem. Não tive forças para sair, mas continuo aqui no meu ativismo. Estou perdido, um pouco como essas manifestações que são super legítimas mas que estão sem direcionamento. O aumento da tarifa do ônibus foi revogado e deixou a mobilização em busca de novas exigências. Cada um tem a sua. Estarei presente para formular junto com o povo o mínimo que esperamos do governo. Desta vez fui um espectador não-participante, mas aqueles que me conhecem sabem que em breve estarei de volta às ruas. 

domingo, 12 de agosto de 2012

AGOsTO

O moleque se dirige ao Mineirão. Rindo à toa. Em sua mente passavam imagens de Tostão e Dirceu Lopes arregagaçando com o Santos de Pelé. Tinham ganho, no recente Mineirão, por 6 a 2, impondo a maior humilhação na carreira de Pelé. No jogo de volta, arrebentaram o Santos em pleno Pacaembu por 3 a 2. Alguns diziam que Tostão era melhor que Pelé. O moleque mostrava os dentes brancos em plena confiança no escrete celeste. Afinal, estava indo para um jogo de campeonato mineiro contra um time da roça. "Cumprindo tabela" era o que o moleque pensava. Não tinha ingresso, mas sabia que por sua baixa estatura e sua malandragem, entraria facilmente no estádio. No meio da confusão, num toque de alguns segundos, já estava na geral. Gargalhou para si mesmo, pensando em como era esperto. Posicionou-se entre os adeptos e aguardou o apito inicial. O time interiorano massacrou o Cruzeiro. Meteu vários gols. O moleque não queria acreditar. Quando o árbitro apitou o final do jogo, a criança sentiu seu corpo tremer. Era uma sensação que evitava entre outros moleques, mas ali, entre desconhecidos, deixou aflorar. Chorou. A mistura de dor e tristeza faziam com que as lágrimas brotassem e escorressem sem parar. Ele não sabia o que fazer. Colocava a camisa celeste no rosto e chorava. Tentava camuflar sua dor, escondia o rosto e num tormento inerente, não conseguia parar de lacrimejar fortemente. Ele tinha ouvido falar de ataques cardíacos em sua família e na sua inocência infantil, achou que poderia estar tendo um piripaque.
Caminhava pelas ruas do Barro Preto e não conseguia parar de chorar. Sentiu-se ridiculamente impotente ao passar pelos transeuntes naquele estado de cachoeira lacrimejante. Chegou em casa e fechou a porta do quarto. Felizmente, seus dois irmãos não estavam em casa. Continuou o chororô por largas horas, deitado na cama.
Acordou no dia seguinte e pensou na verdade irreal que escarrava em sua cara. Pegou o jornal de seu pai e viu que não tinha sido um sonho. Um time caipira tinha destruído o Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes, Raul Plassmann, Piazza e outros craques. Teve que sair de casa. Sentou no passeio em frente à sua casa e tentou lembrar do acontecido, no entanto, as lágrimas não permitiam. Chorava como criança que era.
Sentiu tanta raiva de si mesmo que começou a socar o paralelepípedo. Lembrou de meter a porrada em caras muito maiores, em mergulhar no rio de Aimorés com suas correntezas traiçoeiras, em jogar bola descalço e sair trombando em todo mundo para fazer o gol da vitória. Esfregou os olhos com força e prometeu que nunca mais torceria por time nenhum. Nenhuma equipe merecia que ele sofresse tanto...
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20 anos depois, esse ex-Cruzeirense levou seu filho a um fim de semana em BH. Mostrou o Barro Preto onde jogou muita bola, comentou que trocou passes com Tostão e apontou os mercados onde roubava bolinhas de ping-pong. Juntos, atravessaram a rua (o filho se sentiu temoroso ao ver tantos carros, mas confiou no pai) e entraram no cinema. Seu filho, nascido em cidade interiorana, não sabia o que significava a escuridão de uma sala de cinema (o pai insistia que ele já tinha ido ao cinema para ver ET, mas o filho não se lembrava. Preferiu nem mencionar que quando o filho era bebê o levou para ver Superman e ele chorou tanto que teve que sair do cinema.). A criança disse ao pai que precisava ir ao banheiro. O filho voltou e sentou-se ao lado do progenitor.
Na tela, um adolescente conversava com um velho sobre viagem no tempo. Era difícil ler as legendas rapidamente, mas o filho se adaptou velozmente e conseguiu pegar o contexto de cada cena. 88 milhas por hora. Essa era a velocidade necessária para viajar no tempo segundo o filme. Inconscientemente, Michael J. Fox tinha se tornado seu ídolo.
No dia seguinte, o pai atravessou a rua de mãos dadas com o filho. Entravam novamente naquele paraíso escuro chamado cinema. Os Goonies resolviam todas as situações com engenhosidade. O filho, que até então pensava em ser agrônomo, refutou tudo que desejou anteriormente e ansejou a possibilidade de trabalhar com a sétima arte. Sem saber, ao contrário do pai no fatídico jogo do Cruzeiro, expurgou todas as suas emoções e se sentiu livre em forma de sentimento.
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Menos de uma década depois, o pai disse que o filho tinha que ver um filme. Ele próprio tinha ficado impressionado com o grandiosismo épico de uma obra dirigida por um ator. Os dois foram para o escurinho do cinema e o filho concordou com o patriarca: aquele filme sobre um americano que se revoltava contra a própria pátria para proteger os indios era maravilhoso. ***Muitos anos depois, o meu professor ídolo, Foster Hirsch, disse que Danças com Lobos de Kevin Costner era um filme de amor... de Kevin Costner por ele mesmo. Sim, o egocentrismo exacerbado estava lá, mas não deixou de ser um grande filme/blockbuster.***
Ali, o filho declarou de uma vez por todas que queria viver da emoção e essa emoção estava no cinema.
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2009 - Seu filho era Atleticano. Como tinha "decidido" não torcer mais por time nenhum, o tio materno de seu filho tinha influenciado e feito o garoto torcer para o Galo. Sentindo-se sozinho e vendo o Cruzeiro na final da Libertadores, decidiu comprar uma passagem para BH. Aterrisou na capital mineira, foi para a casa de sua mãe e sem dizer nada a ninguém, abandonou sua mala e foi para a rua. Seu destino era o Mineirão. Chegou ao estádio e comprou o ingresso na mão do primeiro cambista que apareceu em sua frente. Foda-se o preço, ele pensou.
Entrou e reviveu todos aqueles momentos de grandeza do Cruzeiro. Sorriu como quando era criança. Cruzeiro 1 x Estudiantes da Argentina 0. Estava encaminhado. Vibrou no meio de uma porrada de desconhecidos. Aí apareceu um sujeito marrento, argentino, chamado Veron. O Estudiantes vira o jogo e leva a Libertadores. Em pleno Mineirão, o pai pensava. Raiva. Chorou. Caceta! Eu tinha prometido não torcer e sofrer por mais time nenhum, ele pensou. Voltou para a casa de sua mãe revoltado e sem dizer nada a ninguém, pegou o avião de volta ao Espírito Santo. Dessa vez eu juro, nunca mais torço por time nenhum, ele pensou em meio às nuvens.
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Olimpíadas 2012 - O Ney Franco abandona a Seleção brasileira que ele montou, treinou e competiu a favor do Mano Menezes. Mais uma vez não conseguimos ganhar a maldita medalha de ouro olímpica. O filho lembra que seu pai deu aulas à Ney Franco e sente-se chateado pelas burradas do Mano. Segue o jogo de vôlei feminino e ganhamos o Ouro. O filho toca o terror no boteco. Grita, torce e incendeia todos os clientes. Sorri. Tem que torcer e apoiar, ele pensa. Lembra novamente do pai que finge suprimir todas as suas emoções e não torcer por time algum. Hesita em ligar e resolve escrever em seu blog o que pensa. Seu pai tem agora 60 anos. Nunca é tarde para mudar a mentalidade de que homem não chora. Ele lacrimeja ao finalizar o texto e tem a certeza que emocionará seu pai também.

Feliz dia dos pais, Márcio Leite.

PS- Chorei muito ficcionalizando suas aventuras de moleque assistindo ao Tostão. A emoção não é vergonha e o choro é nobre. Te amo muito, pai (prova disso é colocar o símbolo do Cruzeiro no meu blog). Muitos beijos.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Arrogantes egoístas têm salvação

Quando saí do Cine Jóia após ver Heleno, me toquei que a úlitma vez que havia estado naquela sala tinha sido em 2003 para ver O Homem do Ano. Ambos os filmes foram dirigidos por José Henrique Fonseca. Essa coincidência e o fato de ter ficado abalado com a história do craque do Botafogo me fizeram caminhar pelas ruas de Copacabana.
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A ARROGÂNCIA. Heleno de Freitas era um craque. Era idolatrado pela torcida do Botafogo e muitos o consideram um dos melhores jogadores brasileiros de sempre. As mulheres o amavam já que além de ídolo, era bonito e galanteador. O jogador se considerava melhor que todos, acima do bem e do mal. Sua arrogância o levou ao isolamento. Seus companheiros de time não o aceitavam. Os técnicos o boicotavam.  A imprensa o sacaneava. Quanto mais criticado, mais Heleno se inflava, se achando o dono do mundo. Assim como o Botafogo, era uma estrela solitária.
Não se tratou da sífilis que o corroía achando que era imortal. Cheirava éter e se embriagava na tentativa de fugir. Se entregava a encontros sexuais constantes na tentativa de buscar afeto e compreensão.
Sempre fui perna de pau, mas me identifiquei com a história do craque. Justamente em 2003, no ano que assisti ao outro filme de José Fonseca, me encontrava em situação semelhante. Um recém formado cineasta que se hospedou no Rio de Janeiro por 15 dias. Tinha mil dólares no bolso numa época que a cotação estava 3 para 1. Estava rico. Estava com meu primeiro curta debaixo do braço, indo a produtoras cariocas em busca de contatos e trabalho. Vinha duma depressão semi-profunda por já não suportar mais morar no frio de Nova York. Cheio de expectativas ouvi diversos elogios cariocas em relação ao meu filme e quanto a meu talento. Me apresentaram para dramaturgos, atores Globais, muheres sensuais. No entanto, não passava disso. A depressão voltou a se instalar. Já que não obtinha resultados profissionais na minha passagem pelo Rio, resolvi obter resultados da carne. Gastei os 3 mil reais me entorpecendo e nos braços de uma, duas e até três mulheres por noite. De dia paquerava e transava com as mulheres que conhecia na praia. À noite, saía de uma boate de strip-tease, caminhava pela podridão da Avenida Atlântica, e entrava em outra. Assim como Heleno, buscava esquecer a falta de reconhecimento pelo meu talento na putaria nossa de cada esquina. "Eu sou foda, o resto que exploda". Minha arrogância me distanciava de tudo e todos e aos poucos ia me destruindo.
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O FILME. Li uma crítica que comparava a transformação de Santoro com a de Robert Deniro em Raging Bull/Touro Indomável. Rodrigo Santoro está muito bem no filme e realmente a metamorfose de um atlético jogador em um doente debilitado pela sífilis é impressionante. Depois da excelente atuação em Bicho de Sete Cabeças e muitos filmes mais ou menos pelo caminho, o ator volta a entregar uma grande interpretação.
A comparação com Touro Indomável só pode acontecer no campo da interpretação, porque ao contrário do filme do diretor Martin Scorsese, Heleno não mostra o jogador em ação. Deve ter no máximo cinco minutos de bola rolando durante a projeção. Por quê? Foi falta de dinheiro? Se sim, porque não esperaram e captaram mais grana? Foi uma opção do roteiro? Se sim, porque fazer um filme sobre um dos grandes do futebol sem mostrá-lo em campo? Scorsese explorou ao máximo as lutas de boxe para fazer uma metáfora da vida pessoal de Jake Lamotta, vivido por Deniro. Acho que Heleno perdeu uma grande oportunidade de fazer o mesmo (o jogador sonhava em jogar no Maracanã e no último jogo de sua carreira, único jogo que lá fez, foi expulso por aplicar um carrinho violento. Isso nem é mencionado no filme. Suas peripécias em campo diziam muito de quem ele era fora dele e isso não foi explorado). É um bom filme, mas poderia ser uma obra-prima, o primeiro e único grande filme sobre futebol.
Tenho que tirar o chapéu para o diretor de fotografia Walter Carvalho. Já critiquei muito suas opções estéticas no passado, mas de preto e branco, ele entende muito. Terra Estrangeira, Crime Delicado e Heleno estão aí para não me deixar mentir. Acho que é seu melhor trabalho. 
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O EGOÍSMO. O egocentrismo de Heleno não permitia que visse ou se importasse com ninguém a não ser consigo mesmo. Esnobava a mulher, criticava os amigos e desprezava o filho. O egoísmo de Heleno fazia com que só quisesse receber, mas nunca dar. Queria o amor, a glória, os elogios, mas era incapaz de retribuir.
Sempre me perguntam porque o meu casamento acabou. Respondo que é uma pergunta muito complexa e mudo de assunto. Na verdade, a resposta é simples: egoísmo. Quis tudo para mim, mas nunca quis retribuir. Nenhum relacionamento, seja ele amoroso ou não, resiste à falta da troca. Ouço pessoas dizendo que não têm tempo para o amor porque estão focadas em suas carreiras. Ouço pessoas dizendo que não têm tempo para se encontrar com os amigos porque querem ficar em casa com a namorada. Ouço pessoas lamentando seus problemas mas que não querem escutar o problema dos outros. Revelo meus sentimentos mais profundos e do outro lado, parece que não se importam.
Estou sem paciência para esse mundo individualista em que cada um só foca em si mesmo. Estou me afastando de pessoas assim justamente para não permanecer assim. O egoísmo está me sufocando e destruindo tudo à minha volta. Quero trocar, retribuir. É difícil, mas não é impossível (As Neves do Kilimandjaro, ainda em cartaz, é um ótimo filme sobre a realidade do altruísmo).
Volto ao tema recorrente deste blog: o medo. A arrogância e o egoísmo são muitas vezes uma ramificação do temor que temos de nos entregar aos outros. A arrogância é uma máscara para a insegurança. O egoísmo é uma busca pelo isolamento no intuito de não se ferir. "Ninguém quer ficar triste", ela disse. Mas como saberemos o que é a felicidade sem a tristeza? Sem a porrada, nunca saberemos o que é o sangue. Me proponho ao mergulho. Se tiver correnteza, eu me viro depois. Quero viver sem medo.
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A caminhada de Copacabana até o escritório (a.k.a. Bar Altas Horas) foi longa, mas proveitosa. Pedi uma cerveja e prometi que seria a única. Não iria me entorpecer para tentar apagar minha arrogante e egoísta depressão. O celular toca. Uma amiga, com outras amigas, me chama para uma festa numa cobertura. Deixei a promessa para o dia seguinte.

sábado, 19 de maio de 2012

A FRieza da ObjetiviDADE

O 3D fez com que voltássemos à sensação do passado. Há 60 anos atrás se o espectador perdesse um filme que passou no cinema, ele teria a incerteza se algum dia conseguiria ver aquela "fita". Com muita sorte, caso o filme fosse um grande sucesso, talvez reprisassem numa matinê no próximo ano. Eu me sinto assim em relação ao 3D. Se o filme sair de cartaz, não vou ter mais aquela sensação única (quem viu Avatar na televisão, sabe o que eu estou falando).
Por essa razão tive que viajar para fora do Rio para ver A invenção de Hugo Cabret em 3D. Tive que ir até à Barra da Tijuca. Na Miami carioca, no New York City Center, na sala De Lux do Multiplex, pela bagatela de 25 reais (meia entrada). Luxos que só a aristocracia da Barra poderia ter a criatividade de criar.
A abertura é fantástica. A câmera passeia digitalmente pela Gare du Nord entre passageiros e trens. A fumaça das locomotivas e a neve do inverno Parisiense parecem passar constantemente pelo rosto do espectador. Realmente, Hugo é o filme onde o 3D foi mais bem aplicado até hoje. No entanto, como um leigo da sétima arte, me perguntei: e daí? Por diversas vezes me senti entediado. A história do orfão, que sonha em consertar um autômato que escreverá uma mensagem de seu falecido pai, não me encantou.
O trânsito de uma hora até em casa (viajar para a Barra não é mole) me deu tempo para questionar meus sentimentos. Achei o filme infantil e previsível por não mais me permitir ser ingênuo e lúdico? Teriam os problemas profissionais e pessoais do dia em questão influenciado o meu mau humor em relação ao filme? Teria me tornado uma pessoa fria?
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Compenetrado no sofá, liam-me um trabalho para a faculdade. Dentro da minha loucura e dentro do possível, tentava prestar o máximo de atenção. Apesar de entender o assunto que me era ditado, não conseguiria me lembrar agora sobre o que se tratava. A culpa era de uma frase lida logo no início. Algo sobre a subjetividade da imagem. O orador do trabalho, tinha visto meus três curtas metragens, e gostado mais do primeiro que realizei, Out of the Prohibition Era. Criei uma empatia imediata por essa preferência já que era também o meu filme preferido. A maioria das pessoas que já assistiram aos meus trabalhos de ficção, costumam preferir Ferocidade, o meu último filme. Prohibition é um filme enquadrado de forma pouco convencional, abusa da falta de foco, tem uma narrativa fragmentada e pouco explicativa. A estreia de um cineasta ainda embrenhado na demência de contar uma história. Ferocidade é um filme linear, crú, racional, extremamente suportado pela técnica cinematográfica adquirida ao longo dos anos. Prohibition é subjetivo. Ferocidade é objetivo.
Ao chegar em casa, procurei o livro A Imagem-Tempo do filósofo Gilles Deleuze. Rapidamente encontrei o trecho que procurava: "Quanto à distinção entre o subjetivo e objetivo, ela também tende a perder a importância, à medida que a situação ótica ou a descrição visual substituem a ação motora. Pois acabamos caindo num princípio de indeterminabilidade ou indiscernibilidade: não se sabe mais o que é imaginário ou real, físico ou mental na situação, não que sejam confundidos, mas porque não é preciso saber, e nem mesmo há lugar para a pergunta. É como se o real e o imaginário corressem um atrás do outro, se refletissem um no outro, em torno de um ponto de indiscernibilidade."
Era um jovem estudante de cinema com um olhar subjetivo e me tornei um artista com mais de 30 anos com visão objetiva. Meu convívio com o autor do trabalho de faculdade me fez enxergar que tinha me afastado do meu lado mais maluco para criar: a subjetividade.
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As pessoas costumam se referir a pontos chaves do filme "que não entenderam". Sobre aquela imagem "que não fez sentido". Sobre aquele filme do David Lynch sem pé nem cabeça. Talvez por ser uma forma de arte mais antiga, na pintura isso já não acontece com tamanha frequência. Não vejo uma pessoa apontando para um Kandinsky e dizendo que não entendeu. Ela gosta ou não. Fica ali admirando ou vai embora. A apreciação é mais pura.
Na sétima arte, seus espectadores vivem em busca de respostas e acontecimentos lógicos. Feliz daquele que acorda e não questiona o significado de seu sonho. Ele simplesmente aceita a falta de coerência do seu subconsciente.
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Sempre busquei na subjetividade uma forma de me conectar e construir uma realidade. O entrelaçamento do real e do imaginário sempre foi minha meta. Analisando minha condição atual enquanto artista, me assustei ao pensar nessa frieza da minha vida pessoal. Busco um imediatismo nas minhas paixões e se não são correspondidas, corto o contato. Creio que a rejeição da vida está me tornando duro, intransigente. Em suma: frio. Talvez por isso ame tanto o calor do sol carioca. Preciso de calor. Tenho necessidade de me aquecer constantemente para derreter o gelo que se instala nas minhas entranhas.
Tomei uma atitude hoje que poderia ser interpretada como um fechar de porta. Algo que não tem mais volta. Porém, a porta continua aberta, mesma que seja uma fresta. Em breve passarei por ela novamente, de preferência com minha subjetividade recuperada. Tudo vai depender do POnto de Vista.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Além da CAntAdA

Depois de muito trabalho, buscava o escurinho do cinema. Queria prestigiar o cinema tupiniquim vendo Heleno ou Xingu, mas a distância e a preguiça me impediram. Fui ao cinema perto de casa mesmo. Fui assistir a um filme que a sinopse havia me intrigado: Cairo 678. O filme conta a história de mulheres que sofrem assédio sexual diariamente pelas ruas do Cairo, Egito. O título da película se refere a uma linha de ônibus que devido a sua grande lotação, permite que homens fiquem com as mãos bobas no coletivo. Uma mulher decide dar um basta ao assédio diário através da violência.
Lembrei da primeira vez que vi o vagão exclusivo para mulheres no Metrô do Rio. Dentro de um horário X, somente mulheres podem entrar nesse vagão segregado. Achei que outras minorias (engraçado falar da mulher como minoria no Brasil, já que são maioria de acordo com o censo) deveriam também reivindicar seus respectivos vagões. Um vagão para preto não ser chamado de crioulo. Um vagão para os homossexuais não tomarem porrada por serem viados. Talvez até, um vagão para os judeus não serem chamados de pão-duros. O segredo da convivência estaria na proibição ou na fiscalização? Na segregação ou na educação?
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Enquanto garçom em Nova York, trabalhei em dois restaurantes em bairros gays. Foi importantíssimo para extinguir minha homofobia oriunda da "tradicional família mineira". Me acostumei a ver dois neguinhos se pegando. Finalmente, descobri que estava curado desse preconceito quando vi dois caras andando de mãos dadas. A pergunta que expurgou meu preconceito: O que eu tenho a ver com a vida privada desses barbados?
Outra lição caminhando por Chelsea e West Village foi a compreensão do status da mulher cantada e assediada pelas ruas. Eu levava pelo menos duas cantadas por noite ao caminhar para o metrô (e olha que eram só quatro quarteirões). Eu, como uma donzela de cuecas, imitava as mulheres, ignorava a gracinha e seguia meu caminho.
Muito se comenta sobre a tal promiscuidade dos homossexuais e uma vez um colega de restaurante, que era gay, me disse: "Viado é promíscuo porque é homem e não porque é viado". Faz sentido.
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Cairo 678 é uma viagem à outro patamar de cultura. Mulheres que ao colocar o pé na rua, sofrem agressões sexuais, verbais, físicas. Um local onde pegar um ônibus pode ser uma viagem desagradável e intrusiva. É a introspecção de nossa ignorância de país "democrático". Uma estratosfera em que a mulher não ocupa qualquer espaço de importância na sociedade.
Independente do filme se arrastar, senti uma lufada de conhecimento ao enxergar diferenças tão exdrúxulas no mesmo planeta. Um estudo antropológico do Egito, cultura que já foi considerada uma das mais avançadas do período pré-Cristo.
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Saio do cinema. Acendo um cigarro e caminho o quarteirão até meu prédio. Um cara bombado passa por mim e sussura: "Delícia".
Acabou-se o conceito da "bicha" magra e desmunhecada. O cara era um armário. Continuei caminhando. Cantada: o primeiro escalão do assédio. O lado feminino veio à tona.
Entro no prédio e o porteiro cumprimenta: "Boa noite, Doutor." Não gosto que me chamem de doutor, mas nesse dia foi bom. Ser mulher ou gay deve ser bem complicado.

domingo, 15 de abril de 2012

Novamente a palavra MeDo se instala...


Após um soberbo passeio de moto no sábado, reúno as almofadas e estico os membros no sofá. Vai começar Drive de Nicolas Winding Refn. A vibe anos 80 invade minha sala numa sequência quase sem diálogos de uma fuga pós-roubo. Du Rififi chez les hommes vem à memória com sua famosa sequência de assalto a banco que dura 30 minutos sem uma única palavra ser emitida. De repente, os créditos de abertura. Música alta, retrô porém moderna, enquanto os créditos (Rosa pink) surgem no ecrã. Recordei Thief, o primeiro filme de Michael Mann, que também abusou de sequências de assalto sem diálogos e da trilha eletrônica dos Tangerine Dream. A música usada adequadamente no celulóide é um prazer inenarrável. Que abertura. Que porrada.
Comecei a compreender o porquê da euforia de vários cinéfilos em relação ao filme e ao prêmio de melhor diretor em Cannes. Refn consegue realizar um grande desejo que tenho: associar enquadramentos interessantes, imagens que falam mais que palavras e o ritmo moderno e acelerado de Hollywood. Não estava diante de um filme de ação normal. Na verdade, nem sei se pode-se dizer que é um filme de ação. Drive é "inrotulável".
No entanto, a grande surpresa veio quando surge um prenúncio de relação amorosa na tela.
*****
Todos sofremos (Tristeza não tem fim, felicidade sim). Como seres racionais, penso que ainda sofremos mais. Minha gata sabe que vai tomar uma bronca ao revirar o lixo, mas o instinto fala mais alto. O prazer de roer aquele osso vindo da lixeira compensa a palmada que pode estar por vir. O mesmo não acontece conosco.
O medo da dor, do sofrimento, das lágrimas, diversas vezes, nos impede de avançar. Esse mergulho no vazio pode vir com uma extasiante recompensa em nossas mãos, mas o receio de voltar com as mãos sangrando do mesmo salto, nos trava. Congelados, deixamos o medo ditar nossa vida e não aproveitamos paixões que estão a um passo de nossos corpos.
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O driver (interpretado por Ryan Gosling) se encanta por sua vizinha, mas obviamente, não consegue se entregar. A timidez não é o foco, mas talvez o medo de machucar e se machucar. O meio que escolheu ganhar a vida é brutal e se alguém estiver ao seu redor, pode muito bem sofrer as consequências. O protagonista parece estar quase se entregando, abandonando o medo, mas eis que o marido da vizinha volta para casa.
A "nobreza" do personagem, em meio ao furacão de violência que oscila, é uma metáfora para o cavalheirismo que desapareceu desde o final do século passado. Os trovadores do passado enalteciam o amor verdadeiro, aquele que independe de se estar ao lado da amada. O amor verdadeiro faz com que desejemos o melhor para a amada mesmo que não possamos tocá-la ou vê-la. Me chamem de louco após assistirem o filme. Como posso falar de amor verdadeiro num filme tão violento e insano? Pelas escolhas do personagem. Ele não vai se envolver com a vizinha casada, mas vai tirá-la de perigo mesmo que isso lhe custe a própria vida. Ele escolheu viver o caminho que se traçou à sua frente. Então, não teve mais medo.
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"Não me envolverei mais com mulheres que trabalham demais", disse ele. "Nunca mais quero saber de homem maconheiro", disse ela. Nesse emaranhado de frases que acabam virando regras para nossas vidas, vamos perdendo a beleza do instinto, do impulso, do ímpeto. Mergulhemos de cabeça nas oportunidades que surgem em nossas vidas.

Nota: Para assistir aos berros. Infelizmente não consegui ver no cinema...

quarta-feira, 7 de março de 2012

O DoCE temPERo do Pé nA BUNda


Um filme que foi bastante exibido na minha faculdade chamava-se New York Stories. Era um filme dividido em três histórias dirigidas por Martin Scorsese, FF Coppola e Woody Allen. Estudávamos a de Scorcese (as outras duas eram descartáveis). Nick Nolte fazia um pintor que estava à beira da separação com sua namorada bem mais jovem. Ele tem que entregar uma série de quadros para uma exposição mas vive um bloqueio criativo por causa do turbilhão que está a sua vida amorosa. Quando ela leva um cara para dentro do apartamento (que ainda divide com o pintor), o relacionamento chega ao final. Sozinho no estúdio, com a relação terminada, ele começa a produzir incansavelmente e consegue cumprir o prazo e entregar os quadros para a exposição. Na vernissage, com a missão artística cumprida, ele começa a flertar com uma atraente garçonete e um novo ciclo de paixão se anuncia. O personagem necessita viver intensamente uma paixão, terminar esse relacionamento gerando muito conflito para conseguir criar.
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Após o término do meu casamento, senti um vazio incrível. Perdi não só a minha mulher como a minha melhor amiga. Fiquei duplamente orfão. Durante dois meses não olhava sequer para outras mulheres, não conseguia ver graça. Esperava que o tempo colaborasse comigo e me ajudasse a esquecer. No entanto, o tempo não estava colaborando. Resolvi usufruir do clichê máximo aconselhado para essas situações: mergulhar no trabalho. Durante um ano, abri minha produtora, escrevi curtas, desenvolvi projetos, tive várias reuniões criativas e consegui pela primeira vez, trabalhos remunerados como diretor. A dor não se esvaiu, mas pelo menos diminuiu. Neste carnaval, ao completar um ano do fim, me desmaterializei na folia momesca, me diverti como um Baco e finalmente consegui me libertar. Todo mundo leva um pé na bunda em alguma ocasião da vida e cai de boca no chão. Lembrei de Sêneca e sua imortal frase: "A honra não consiste em nunca cair, e sim em levantar cada vez que se cai."
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Quem conhece a obra de David Lynch sabe que seus filmes são sombrios, estranhos e que

podem causar mal estar. Sempre fui um de seus ardorosos seguidores e me espantei ao ler seu livro Em águas profundas. Li um autor calmo, que medita e que não se assemelha em nada a seus personagens malucos. Fiquei ainda mais espantado quando ele placidamente declara que antes de começar a meditar, vivia em conflito com sua esposa e que esse foi o período menos criativo de sua vida. Seus roteiros vêm de suas observações mundanas e não de seus conflitos internos.
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Neste ano solteiro, voltei a jogar futebol, a exercer a paciência e a criar muito (desde os tempos da faculdade que não sentia meu cérebro tão ativo). Por que temos que levar um pé na bunda para colocar a vida em ordem? A verdade é que não precisamos. Ficamos acomodados no casamento, observando a barriga crescer e a ruptura da relação nos obriga a mudar a rotina.
Estava no meu escritório (como carinhosamente chamo o boteco que frequento) com um amigo e mencionei que tinha conhecido uma mulher muito interessante e que estava disposto a começar um novo relacionamento. Ele, também um artista, declarou: "Você não pode casar agora. Sua carreira ainda não está estabelecida." Ri da afirmação e me pus a pensar... Por que um relacionamento sério é empecilho para a criação? Não é. Tudo é possível, basta ter força de vontade. Assim como no curta que estou produzindo (Mega Sena da Faro Filmes) que fala sobre lendas urbanas que supostamente não existem, em algum lugar um anão está sendo enterrado, gêmeos pretos estão nascendo e um gay se converterá em heterossexual. Tudo é possível.
Não comecei a namorar a tal mulher interessante por fatores que prefiro não expressar, mas a ligeira frustração que isso proporcionou, não me bloqueou criativamente. Assim como a felicidade de um relacionamento amoroso também não pode bloquear. Sozinho, continuo caminhando.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Filmospectiva 2011


(Assistidos esse ano, não necessariamente produzidos/exibidos em 2011)

A Decepção: Melancholia, dir. Lars Von Trier, Den/Sue/Fra/Ale, 2011
Não é um filme ruim, mas não chega aos pés de seus trabalhos anteriores. O filme demora a dizer a que veio e quando diz, me pareceu um pouco óbvio. Óbvio é algo que nunca tinha visto na obra de Von Trier e isso me decepcionou.
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A Surpresa: A Suprema Felicidade, dir. Arnaldo Jabor, Brasil, 2010
Ouvi muita gente dizendo que o filme era chato. Dei ouvidos e não fui ver. No CineFest Buenos Aires, depois de caminhar muito pela cidade, resolvi assistir. Que filme magnífico. Uma obra de quem teve infância. Uma obra de quem já viu muitos filmes (principalmente Fellini). Uma obra de um Homem (com "H" maíusculo) que observa seus arredores e entende e ama o Rio de Janeiro. Se Toda Nudez Será Castigada não é uma obra prima (a peça é), hoje credito a culpa à falta de grana. Pela primeira vez, Jabor teve um orçamento decente à sua disposição e gastou muito bem cada centavo. A narrativa é mágica e, ao contrário de muitas produções nacionais, a parte técnica é impecável.


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Los Hermanos: Un Cuento Chino, dir. Sebastián Borensztein, Arg/Esp, 2011
Um Conto Chinês começa lento. Ricardo Darín faz o papel mal humorado de sempre. Parece que tudo vai dar em mesmice. De repente, a trama começa a me envolver e não consigo mais tirar os olhos da tela. A meia hora final é emocionante e me fez lacrimejar. O diretor é sempre sutil sem querer se mostrar presente na película e esse é um dos trunfos do filme.


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Trabalha bem pra cacete: Carlos, dir. Olivier Assayas, Fra/Ale, 2010
Édgar Ramírez encarna o famoso terrorista/revolucionário Carlos, o Chacal. O ator venezuelano entrega uma performance magnífica. Ele dá uma de De Niro e aparece atlético na fase jovem e barrigudo quando mais velho. Na trama, fala fluentemente inglês, espanhol, francês, alemão e engana com algumas palavras em árabe. Demonstra facialmente todos os seus dilemas e angústias. Um ator completo numa história muito bem construída em três episódios para a Tv francesa.


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Tv com cara de cinema: HBO
Se o cinema americano vive uma crise de boas histórias, o mesmo não pode ser dito de sua televisão. As melhores coisas que vi da dramaturgia americana foram em forma de séries. Enquanto o cinema mira grandes públicos de milhões de pessoas (e como tal, tem que criar tramas para agradar a todos), a tv a cabo mira em pequenos nichos de 5 milhões de espectadores. Dessa forma, ela cria conteúdo específico para públicos específicos. Isso beneficia os roteiros. Boardwalk Empire que se passa durante a lei seca em Atlantic City é primoroso e mata as saudades de quem adorava The Sopranos.


Mildred Pierce comprova que Kate Winslet é das melhores atrizes vivas e que o diretor Todd Haynes entende tudo de mulher.


Game of Thrones é uma jóia rara. É um Senhor dos Anéis para adultos. Atores fabulosos, figurinos perfeitos, efeitos especiais de babar, direção espetacular, uma trama política envolta de sexo e violência e um anão. O anão é demais. Trabalho de gênio feito para a televisão, mas com cara de épico cinematográfico.


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Besteirol: The Hangover, dir. Todd Phillips, USA, 2009
Muito engraçado. Segue a mesma fórmula clássica de qualquer comédia, mas o escracho é século XXI. Deixa Porky's e American Pie com ciúmes.
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Injeção de ânimo: The Fighter, dir. David O. Russell, USA, 2010
Filmes de boxe são geralmente sobre superação e este não é diferente. Vi esse filme numa fase difícil da minha vida e saí do cinema revigorado. Todo o elenco é muito bom, mas Christian Bale é um ator excepcional. David O. Russell tem um vigor de moleque e é um cara do qual já sou fã há algum tempo. Já que na vida real fica difícil, nada como ver um bom personagem resolvendo seus problemas metendo a porrada em geral.


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Maestro: Terrence Malick
Malick era daqueles diretores que eu sempre pensava: "quase". Seu primeiro filme que vi foi Além da Linha Vermelha/The Thin Red Line. A sequência inicial numa tribo é magistral. A paixão do diretor pela natureza é transplantada para a tela de uma forma linda. Mas, ficou por aí. Vi Badlands com Martin Sheen e fiquei com a mesma impressão: bom, mas não chega a ser uma grande obra. A Árvore da Vida acabou com essa sensação. Acho curioso que muitos disseram que era um filme experimental. Não tem nada de experimental. O filme não poderia ser mais clássico. Narrativa forte e consistente apoiada por um Brad Pitt cada dia melhor. Já virou cult. Fui atrás de outros filmes de Malick e vi Days of Heaven com Richard Gere (meu ídolo dos anos 80). Outro esplendor. Terrence Malick é gênio.


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A Obra Prima: Incendies, dir. Denis Villeneuve, Can/Fra, 2010
Um orfanato. Crianças tendo suas cabeças raspadas ao som de Radiohead. A câmera se movimenta lentamente. Que força. Que poder. A trama de dois irmãos gêmeos que têm que encontrar seu pai a pedido de sua falecida mãe. Palestina, violência, paixão, estupro, emoção. Um épico no médio oriente filmado com a agressividade de planos abertos ao extremo e close-ups torturantes. Um filme que dói. Um filme que alimenta. Maravilhoso.


Não, eu infelizmente não vi a Pele que Habito. Almodóvar por si só já seria uma categoria.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O MeLHOr e o PioR


Em uma cena do filme City Slickers (Amigos, sempre Amigos), os três companheiros do título contam o melhor e o pior momento de suas vidas. O personagem de Bruno Kirby conta o melhor momento de sua vida: farto de ver seu pai espancando sua mãe, ele acerta uma paulada no patriarca e expulsa-o de casa. Ele manda o pai nunca mais voltar. Os outros dois amigos ficam receosos de perguntar qual é o pior momento da vida dele. Afinal, se algo tão trágico foi o melhor momento de sua vida, imagina qual seria o pior momento?
Um deles finalmente se atreve e pergunta: "E qual foi o pior momento da sua vida?"

"O mesmo", ele responde.

2011 foi assim. O melhor e o pior.
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Depois de ser abandonado pela mulher que ama e impossibilitado judicialmente de ver a filha, o personagem de Gael Garcia Bernal em El Pasado, vai morar com o pai. Ele fica largado no sofá, vendo televisão, sem tomar banho. O pai, já em idade avançada, decide mudar-se para outra cidade. Gael pede para que o pai o leve junto. Promete lavar as roupas, limpar a casa e outros serviços domésticos. O pai olha para o filho com imenso desgosto e diz-lhe que não. O patriarca sabe que o filho precisa sair da depressão e buscar um objetivo útil da vida. E sabe também que sustentando seu filho de forma humilhante, não estará ajudando. Mas, mesmo que benéfica, a recusa não deixa de ser um duro golpe. A ideia do filme é excelente (sobre um cara que tem uma dependência extrema em relacionamentos afetivos). O livro no qual o filme se baseia deve ser uma obra interessante.
O ser humano traça metas para sua vida. Da mais simples, como comprar uma bicicleta, até a mais complexa, como tomar uma atitude que transforme o mundo. Me identifiquei muito (guardadas as devidas proporções) com o personagem de Gael. Valeu ter visto o filme só por causa dessa cena. Diversas vezes vi o caminho, que construía para atingir um objetivo, se ruir aos meus pés. Outras vezes atingi o objetivo mas não consegui segurá-lo em minhas mãos (talvez o mais duro de engolir).
Meu casamento acabou.

2011 foi assim. O melhor e o pior.
*****
Ferocidade entre a Urbe e a Flora ganhou dois prêmios de melhor filme. Os primeiros da
minha carreira. Ouvi meu nome ser chamado para receber o prêmio do júri popular no palco de Cuiabá. Ouvi elogios ao filme de diversos cineastas no festival de Buenos Aires. Tive o prazer de ouvir os aplausos do público ao lado do meu pai no festival de Vitória. Sumário: Ferocidade foi selecionado para 15 festivais nacionais e internacionais e ganhou dois troféus.
Meu melhor momento cinematográfico veio junto com a abertura oficial da minha produtora Krakatoa e três projetos de longa metragem para o ano que vem.

2011 foi assim. O melhor e o pior.
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Não tento esquecer os momentos ruins. São eles que me ensinarão a lidar com outros momentos negativos no futuro. Tento segurar o entusiasmo exacerbado em relação aos momentos bons. São eles que me manterão em cima do cavalo.

A dor de terminar um relacionamento. A alegria de viajar e ser "artista". A tristeza da solidão. O orgulho de escrever como nunca.
*****
2012 será bom e mau. Mas, acima de tudo, será um ano feliz.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

QUAndo a estética tem conteÚDO...ou é COOL

Ao trocar mensagens com uma amiga, ela me relatou que tinha terminado um curso de visagismo. Na minha ignorância, dei um google e li a seguinte descrição: "Visagismo é a arte de criar uma imagem pessoal que revela as qualidades interiores de uma pessoa, de acordo com suas características físicas e os princípios da linguagem visual (harmonia e estética), utilizando a maquilagem, o corte, a coloração e o penteado do cabelo, entre outros recursos estéticos." Desde que o mundo é mundo que as pessoas tentam imprimir suas personalidades através de elementos estéticos. Um cara de bem com a vida pode colocar uma camisa colorida (às vezes até inconscientemente) para representar esse estado de espírito, assim como uma pessoa deprimida pode se vestir de preto da cabeça aos pés.
No Rio de Janeiro, noto que nessa busca incessante por essa imagem pessoal, as pessoas se parecem cada vez mais. A gatinha no quarto se arrumando: "Sou periGUETE, então vou colocar essa sainha de babados, salto alto com sola colorida, blusinha folgada com decote generoso". Ela chega na Baronetti em Ipanema e se encontra com outras 100 meninas com os mesmíssimos trajes.
Em Tóquio, devido à semelhança física, os japas buscam desesperadamente mudar a cor de seus cabelos, usar roupas de tons berrantes e sapatos esdrúxulos. Com tamanha excentricidade e no meio de tantas cores, eles acabam ficando ainda mais iguais entre si.
*****
São poucos os cineastas que conseguem imprimir um estilo reconhecível. Se eu assistisse a um

filme inédito de Sergio Leone, reconheceria seu estilo sem que tivessem que me dizer nada. A maioria dos diretores são escravos de suas histórias e imprimem apenas o que existe de óbvio nas páginas do roteiro. Fiquei bastante impressionado com Danny Boyle quando li o livro que ele adaptou para fazer Trainspotting. As sequências mais geniais do filme, não estavam no livro, eram criações dele.
Numa preguiçosa viagem no sofá, me perguntei qual era o plano que caracterizava os curtas que já fiz. Eu tinha uma marca estética?
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Como num relâmpago lançado por Odin, veio à minha cabeça Quentin Tarantino (sempre ele). Todos os filmes dele têm o já apelidado trunk shot (plano do porta-malas). Um personagem abre o porta-malas e a câmera é posicionada dentro deste. Em Inglourious Basterds ninguém abre porta-malas, mas mesmo assim ele posiciona a câmera no chão e faz o plano para não perder a marca.
Nos meus primeiros curtas, isolado no inverno nova yorkino, eu resolvi sempre colocar a bandeira brasileira em quadro. Queria imprimir uma marca. Representava o lugar de onde eu vinha, mas sinceramente, era um simbolismo meio óbvio. Quando rodei o Ferocidade, sequer me ocorreu colocar a bandeira no filme. Só me toquei quando minha mãe mencionou que desta vez não tinha bandeira (só fã mesmo para notar).
O trunk shot do Tarantino é simplesmente estético, não tem qualquer valor narrativo. É simplesmente cool.
Martin Scorsese tem uma marca registrada já muito copiada. Ele aproxima a câmera rapidamente de um ator que vai em direção à ela. Esse plano é sempre associado a um momento de ansiedade, pressa ou euforia do personagem. Ele tem uma variação dessa técnica em que ele também aproxima a câmera do ator, só que lentamente e com o ator no mesmo lugar. É como se estivessemos entrando dentro da cabeça do personagem e sem que ele precise dizer nada, sabemos exatamente o que ele está pensando (na cena de Goodfellas abaixo, o personagem de DeNiro decide matar um chato).
Claro que ter o Robert DeNiro e uma PuTa soundtrack ajuda. No caso de Scorsese, o seu
dolly shot não só tem uma beleza estética, como tem conteúdo.
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É óbvio, CACeta! A minha marca registrada era o plano sequência. Não só por ter feito o último curta assim, mas por sempre ter trabalhado com longos takes.
Questionaram-me se rodar o roteiro em plano sequência não seria apenas uma opção estética que prejudicaria o desenrolar da história. Tinha certeza que não. Bolei o roteiro para isso. A pergunta era pertinente, pois uma coisa era ter um longo plano sequência nos meus filmes anteriores (que poderiam ser encarados apenas como estéticos); outra coisa bem diferente era fazer um filme inteiro em plano sequência e correr o risco de se tornar uma estética oca. Arrisquei e foda-se. O dinheiro é meu. Tô pagaaaaaaando.

Sorriso de canto de boca. Visagismo Cinematográfico. Eu TENho uma MARca!

NOTA- Buscando uma imagem representando estética para ilustrar o post, achei essa imagem baseada em Vertigo, do Hitchcock. Se você fixar os olhos no centro e se inclinar para frente e para trás, vai reparar que a imagem é 3D.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Ressaca - não se mexe em time QUE tá GaNHAndo

Nem me lembro da última vez que assisti a uma comédia no cinema. Nós, pseudo-intelectuais cinéfilos, temos a mania que a comédia é um gênero menor. Assistimos, rimos, mas não damos valor. É que nem pagode: ouço, mas não compro CD. Geralmente assisto comédias em casa, em dvd ou na tv a cabo. Existe uma teoria que a câmera não deve se mexer muito ou que a luz não pode ser muito contrastada para que não se perca a essência das piadas. E realmente, a teoria se aplica na maioria dos casos. Comédias não são técnicamente elaboradas. Não é a toa que as sitcoms são plano/contra-plano num ambiente muito bem iluminado e sem sombras.
Dentre os mais de 100 filmes (na coluna de obras primas à direita) que eu considero essenciais, só se enquadram dez comédias. Cinco são do Charlie Chaplin, duas do Wes Anderson, uma do Woody Allen (não, não é Noivo Neurótico), uma do Mel Brooks e Napoleon Dynamite, a comédia mais cult de sempre.
*****
Este ano assisti (na tv a cabo do meu pai) Se beber, não case. O título em inglês é The Hangover (A Ressaca) o que me fez perguntar: Para quê mudar o título se o original é a perfeita descrição do que acontece no filme? Existe uma tradição global de alterar radicalmente os títulos originais de filmes, mas acho que o Brasil é campeão em tal quesito. No passado, se alterava de forma até poética. The Wild Bunch (algo como O Bando Selvagem) virou Meu ódio Será sUa Herança. Algo simples como Giant (Gigante) se tornou Assim caminha a Humanidade.
Eu morei em Portugal por 10 anos e sei que os portugas também aprontam das suas. Die Hard virou Assalto ao Arranha-Céus. Quando surgiu a continuação, que não se passava num arranha-céus, virou Assalto ao Aeroporto. Com o terceiro, os tradutores desistiram e chamaram-no de Die Hard 3 mesmo. Uma vez a revista MAD sacaneou que em Portugal Um Tira da Pesada se chamou Um Policial com Excesso de Peso. Os lusitanos se vingavam sacaneando a tradução brasileira de The Godfather (O Padrinho) que aqui se chama O Poderoso Chefão.
Hoje em dia, a imaginação fértil dos tradutores deu lugar à imbecilidade. Inception vira A Origem, The Kids are all Right vira Minhas Mães e Meu Pai e The Hangover vira Se Beber, NãO CASe.
*****
Apesar de saber que The Hangover 2 seria uma repetição da fórmula do primeiro mudando o cenário e algumas piadas, resolvi sair de casa rumo ao cinema. Saí relaxado do filme. Ri onde tinha que rir. Sem pretensão.
No caminho de volta, percebi que não tinha saído para ver uma comédia. Tinha saído para ver um buddy movie (filme de amigos, parceiros), sub-gênero popular em todos os gêneros. Acho que gostei tanto do primeiro Hangover porque parecia um O que aconteceria se os personagens de Stand by Me (Conta Comigo) crescessem? Muito mais avacalhado, claro. Sempre sonhei em ter aquela amizade lúdica, de pessoas que dariam e arriscariam tudo por você. Queria ser um Goonie. Queria ter um Doc Brown do De Volta para o Futuro para chamar de meu. Já tive grandes amizades, mas todos acabaram se esvaindo entre brigas ou pela distância dos oceanos. De tempos em tempos faço novas amizades, mas elas acabam desaparecendo por um motivo ou outro. Às vezes não temos tempo, não telefonamos ou estamos demasiado envolvidos com um novo amor que esquecemos do resto do mundo.
No entanto, descobri que apesar de não ter uma amizade fixa por décadas como nos filmes, quando reencontro certas pessoas, parece que o tempo não passou. Essas são as verdadeiras amizades. O tempo ou a distância nos separou, mas o reencontro é como se nunca tivessemos nos separado.
Voltei a pensar em algumas piadas de The Hangover 2 e ri enquanto caminhava. As comédias podem pertencer a um gênero menor, mas não consigo viver sem elas.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Fernando Meirelles deve ter gostado...

Ferocidade entre a Urbe e a Flora já foi selecionado e exibido em: Oaxaca Film Festival (México), 14a Mostra de Tiradentes, BigPond Adelaide Film Festival (Austrália).

Ainda será exibido nos Cine Fests Petrobras de Nova York (Junho), Vancouver, Londres, Buenos Aires e Montevidéu. A curadoria de seleção desses festivais inclui Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus. Para quem sofreu no primeiro semestre de 2010 por nenhum festival ter selecionado o filme, não está nada mal.

Enquanto o circuito de festivais não acaba (impossibilitando postar na internet), dá para dar uma sacada neste teaser.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Celebração à morte - Bin Laden ao mar

Num dos 7 restaurantes que trabalhei em NY (fui dispensado de um, pedi demissão em outro e fui escorraçado de 5) tinha um patrão verdadeiramente Darth Vaderiano. Ele comia restos do lixo e exigia que as almôndegas que voltassem das mesas fossem dissolvidas no molho à bolonhesa (não vou entrar em detalhes, como por exemplo o fato de todo restaurante ter baratas, para não causar um boicote a restaurantes pelos leitores deste blog). Adorava um bullying nos funcionários e jogava um contra o outro. E pior dos piores, sendo um judeu sem família, não permitia que fechássemos o restaurante (às moscas) mais cedo em pleno dia 24 de Dezembro. Ele era muito gordo e se vestia completamente de preto. Obviamente, quando ele entrava, alguém sempre entoavaThe Imperial March, tema de Darth Vader.
Tirando o latino aqui, todos os garçons eram americanos e todos odiavam com veemência este ser chamado Mike - seu verdadeiro nome é Myron, mas como soava muito judeu para um proprietário de cantina italiana, só permitia que o chamassem de Mike. Acho que com a exceção de um ou outro, todos já tinham proferido algum comentário sobre ele estar melhor debaixo da terra. Alguns pegavam mais pesado e diziam que o matariam pessoalmente se soubessem que não iriam para a cadeia. Tinha uma frase num boteco em frente ao restaurante que dizia: "Algumas pessoas só não estão mortas porque é ilegal matá-las". Uma vez ouvi uma história que um garçon já demitido colocava diariamente uma colher de sal no remédio contra hipertensão do Mike. Uma tentativa de assassinato lenta, mas Mike continuava firme e forte e o garçon já era.
Não conseguia entender (não queria entender) como alguém poderia desejar a morte de alguém por pior que aquela pessoa fosse.
Não me surpreendi com as demonstrações de euforia e celebração em NY após o anúncio do assassinato de Osama Bin Laden. Pessoas bebendo, comemorando pelas ruas como se o NY Giants tivesse ganho a Superbowl. Se não soubesse o contexto, era exatamente isso que lembrava os sorrisos novaiorquinos.
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Quando me encantei pelo Charles Bronson ("aquele do bigodinho") no início da adolescência
depois de ver The Great Escape (Fugindo do Inferno) e Dirty Dozen (Os Doze Condenados), meu pai me falava sobre um filme dele chamado The Mechanic. Não encontrava em nenhuma locadora aquele filme obscuro, co-estrelado por Jan-Michael Vincent (a aposta de galã dos estúdios que nunca vingou e que é mais lembrado por papel na TV em Airwolf, Águia de Fogo no Brasil [???]).
Um dia, meu pai chegou com O Mecânico (em Portugal, no Brasil se chamou Assassino à Preço Fixo). Este ano, tivemos um remake com o Jason Statham, que não tem o bigodão suntuoso do Bronson, mas tem uma carequinha reluzente para compensar. A trama é simples: assassino profissional à beira da aposentadoria aceita treinar jovem no ofício. Não precisa ser um gênio para saber o que acontece.
Sempre que penso em Osama Bin Laden, lembro desse filme. Soviéticos no Afeganistão, jovem Bin saudita milionário rebelde, guerra fria, CIA fornece armas e treinamento para Bin e galera "da Base", mais conhecida como al-Quaeda. O jovem Bin passa de pupilo dos EUA a professor dos terroristas, o feitiço vira contra o feiticeiro e o resto todos sabem como acabou. De aliado a rival. Seria exagero dizer que os EUA são o Dr. Frankenstein e Osama, sua criatura?
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No John's Restaurant de Mike, eu presenciei os maiores furtos e pilhagens da história da hotelaria. Cerveja consumida a rodo no final do expediente, garrafas de vinho levadas para casa, molho de tomate, papel higiênico. Tinha um colega meu que já nem ia ao supermercado. Descia para o porão e dizia: Going shopping. Outra lenda dizia que o cunhado do Nick (um garçon insuportável) pagou a faculdade das duas filhas tirando dinheiro do caixa do John's. Eu me contentava em levar camarões VG.
Como se não bastasse o Darth Vader, ainda tinha o Nick, o outro sócio, mas é melhor falar dele em outra postagem. Os dois se completavam em seus jogos de desprezo e humilhação aos funcionários. E os funcionários revidavam roubando tudo que vissem pela frente. Muitos diziam que não era roubo, que era justiça. Tá bom, eu acreditava. E levava meia dúzia de camarões. A retaliação nunca tem fim até que uma das partes ceda.
O restaurante onde eu fui mais bem tratado, se localizava no West Village e se chamava Alfama. Comida portuguesa divina. Tinha um patrão mais chatinho, mas o outro era super educado. Nesse restaurante quase não aconteciam furtos. Lembrando que furto de birita em restaurante é igual presença de barata. S-E-M-P-R-E tem. Onde se era açoitado, roubava-se de tudo. Onde se era acariciado, roubava-se só um pouquinho. Quer dizer, fazia-se justiça.
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Keep the River on Your Right é um documentário sobre um antropologista americano que é convencido pelos diretores do filme a voltar a certos lugares inóspitos que ele visitou na juventude. Ele vai tranquilamente para Papua Nova Guiné onde ele teve um caso com um nativo. No entanto, ele se recusa a ir ao Peru onde visitou e morou com uma tribo. Era 1955 e além de Tobias Schneebaum ser um antropologista, ele era também um pintor. Ele chegou a uma tribo na Amazônia e foi bem recebido, morou com os nativos. Uma bela noite, os índios se prepararam para caçar e obrigaram o pintor a ir com eles. Eles invadiram uma outra tribo e mataram seus rivais. De acordo com a tradição, cozinharam e comeram seus inimigos. Aos prantos, Tobias foi obrigado a comer também. Ele nunca mais pintou. O subtítulo desse filme é A Modern Cannibal Tale.
A alegria de ver pessoas com bandeiras em punho, rindo devido ao assassinato de uma pessoa, não me choca. O presidente da Galoucura participou do espancamento que matou um torcedor cruzeirense. Mataram um cara e comemoraram por causa de futebol. Se somos capazes disso, claro que vamos comemorar a morte do terrorista Nº 1. Acho estranho, mas não surpreendente. Se eu postasse no Facebook que minha avó morreu e alguém clicasse em "curtir", ia achar estranho.
Me sinto na obrigação de sentir algo. Acho que seria mais apropriado dizer que sinto vergonha. Não dos americanos, afinal basta ver a cena do genial doc Ônibus 174 para constatar o desejo de sangue brasileiro quando a população parte para cima do sequestrador tentando linchá-lo. Ou o caso da Galoucura acima. Acho que a vergonha é do ser humano, eu incluído. Afinal, não matei ninguém, não comemorei a morte de ninguém, mas comi muito camarão VG.