quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Calvário Feroz: Entre os gols da Seleção e o Tango, a Vida Imita a Arte. Parte VI.

Tudo pronto. Luzes: não são necessárias porque o filme é ao ar livre. Câmera: alugada. Ação: impossível. O diretor está imóvel.
Com exceção do figurino, que ainda precisava de algumas peças, tudo estava praticamente pronto. Faltava apresentar a locação para os atores se ambientarem e esperar o fim-de-semana passar para começarmos a gravar (a ação se passa no Parque da Floresta da Tijuca e durante o fim de semana o fluxo de turistas é muito grande).
No início da semana, eis que a gloriosa Rede Globo decide expandir a novela Caminho das Índias por mais duas semanas. O protagonista do meu curta está na novela, inviabilizando a nossa filmagem nos dias 31 de Agosto, 1 e 2 de Setembro. Só poderíamos rodar no meio de Setembro. Obviamente, isso não era culpa do protagonista que apenas cumpria seu contrato com a Globo, mas a necessidade de remarcar o filme deu uma quebra na produção.
Todos no filme estão trabalhando “por amor” (termo atenuante que significa trabalhar de graça) e ao remarcar a data de filmagem, o ritmo de trabalho de todos parou por completo. A culpa disso é única e exclusivamente minha.
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Justamente no dia em que escrevi pela última vez neste blog, fui para a minha famigerada pelada. Eu sou um convicto perna de pau, mas mesmo assim, insistem em me escalar como centro avante. Isso se deve ao fato de um inspirado e milagroso dia em que permaneci na banheira e marquei quatro improváveis gols. Eis que ao disputar uma bola bruscamente, como se estivesse num campeonato profissional, piso errado e deposito o peso do meu corpo em cima do pé esquerdo. Fratura!!! Para aqueles que não me conhecem, sim, sou eu na foto que ilustra esta postagem. A vida imita a arte visto que o personagem do filme está com a perna quebrada e anda de muletas durante todo o filme. Pelo menos agora consegui a muleta que precisava para o filme…
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Meu pai tinha marcado uma viagem para que nós fossemos à Argentina ver o jogo do Brasil. Coincidentemente estava marcada para o dia 3 de Setembro, um dia depois do que seria a filmagem. O filme estava cancelado momentaneamente e não deixaria que um pé quebrado me impedisse de viajar.
Fui, subi o estádio de muletas, gritei, pulei igual Saci com os gols históricos da seleção e só não dancei tango porque aí já seria demais. Voltei com as mãos quase em carne viva por causa das muletas e hiper-cansado. Meu pé latejou por uma semana que fiquei na cama sem vontade sequer de ir ao banheiro. O curta que tentava rodar desde o começo do ano estava adiado novamente. A imobilidade me trouxe a um estado de semi-depressão. Me lembrei muito de 8½, filme de Federico Fellini em que um diretor de cinema em crise da meia-idade não consegue rodar um filme. Ele enrola o produtor e os atores e o filme nunca acontece.
Hoje me lembrei também de um filme pouco visto chamado Coração de Caçador (White Hunter, Black Heart), o primeiro filme que vi com Clint Eastwood. Vagamente inspirado na filmagem de Uma Aventura na África (African Queen) dirigido por John Huston, Eastwood interpreta o diretor que abandona as filmagens constantemente para caçar elefantes na África. O rosto de Clint na última cena do filme (talvez sua melhor interpretação facial de todos os tempos) passa toda a sua decepção com o mundo cinematográfico e com sua pouca vontade de estar ali dirigindo aquele filme.
Numa escala infinitamente menor, sinto-me várias vezes “deprimido” com meus projetos. As dificuldades e obstáculos que consistem rodar um filme me colocam à prova o tempo todo. “Caramba, já tenho 30 anos”, repito em minha mente. Acho que isso se deve ao fato de nunca ter realmente experimentado o gosto do sucesso. Não o da fama, mas o sucesso comigo mesmo, de me sentir querido como artista. Já participei de festivais e meus filmes sempre foram bem recebidos pelo público, mas falta algo…
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Minha barba é rala e cheia de falhas. Quando fico com preguiça e não a faço, é uma visão ridícula. É como aquele bigodinho ralo de mexicano que os adolescentes adoram exibir. Decidi não fazer a barba até que consiga rodar o filme. Ontem, a mulher do protagonista me perguntou se era promessa. Não, é castigo mesmo.