sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Filmospectiva 2011


(Assistidos esse ano, não necessariamente produzidos/exibidos em 2011)

A Decepção: Melancholia, dir. Lars Von Trier, Den/Sue/Fra/Ale, 2011
Não é um filme ruim, mas não chega aos pés de seus trabalhos anteriores. O filme demora a dizer a que veio e quando diz, me pareceu um pouco óbvio. Óbvio é algo que nunca tinha visto na obra de Von Trier e isso me decepcionou.
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A Surpresa: A Suprema Felicidade, dir. Arnaldo Jabor, Brasil, 2010
Ouvi muita gente dizendo que o filme era chato. Dei ouvidos e não fui ver. No CineFest Buenos Aires, depois de caminhar muito pela cidade, resolvi assistir. Que filme magnífico. Uma obra de quem teve infância. Uma obra de quem já viu muitos filmes (principalmente Fellini). Uma obra de um Homem (com "H" maíusculo) que observa seus arredores e entende e ama o Rio de Janeiro. Se Toda Nudez Será Castigada não é uma obra prima (a peça é), hoje credito a culpa à falta de grana. Pela primeira vez, Jabor teve um orçamento decente à sua disposição e gastou muito bem cada centavo. A narrativa é mágica e, ao contrário de muitas produções nacionais, a parte técnica é impecável.


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Los Hermanos: Un Cuento Chino, dir. Sebastián Borensztein, Arg/Esp, 2011
Um Conto Chinês começa lento. Ricardo Darín faz o papel mal humorado de sempre. Parece que tudo vai dar em mesmice. De repente, a trama começa a me envolver e não consigo mais tirar os olhos da tela. A meia hora final é emocionante e me fez lacrimejar. O diretor é sempre sutil sem querer se mostrar presente na película e esse é um dos trunfos do filme.


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Trabalha bem pra cacete: Carlos, dir. Olivier Assayas, Fra/Ale, 2010
Édgar Ramírez encarna o famoso terrorista/revolucionário Carlos, o Chacal. O ator venezuelano entrega uma performance magnífica. Ele dá uma de De Niro e aparece atlético na fase jovem e barrigudo quando mais velho. Na trama, fala fluentemente inglês, espanhol, francês, alemão e engana com algumas palavras em árabe. Demonstra facialmente todos os seus dilemas e angústias. Um ator completo numa história muito bem construída em três episódios para a Tv francesa.


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Tv com cara de cinema: HBO
Se o cinema americano vive uma crise de boas histórias, o mesmo não pode ser dito de sua televisão. As melhores coisas que vi da dramaturgia americana foram em forma de séries. Enquanto o cinema mira grandes públicos de milhões de pessoas (e como tal, tem que criar tramas para agradar a todos), a tv a cabo mira em pequenos nichos de 5 milhões de espectadores. Dessa forma, ela cria conteúdo específico para públicos específicos. Isso beneficia os roteiros. Boardwalk Empire que se passa durante a lei seca em Atlantic City é primoroso e mata as saudades de quem adorava The Sopranos.


Mildred Pierce comprova que Kate Winslet é das melhores atrizes vivas e que o diretor Todd Haynes entende tudo de mulher.


Game of Thrones é uma jóia rara. É um Senhor dos Anéis para adultos. Atores fabulosos, figurinos perfeitos, efeitos especiais de babar, direção espetacular, uma trama política envolta de sexo e violência e um anão. O anão é demais. Trabalho de gênio feito para a televisão, mas com cara de épico cinematográfico.


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Besteirol: The Hangover, dir. Todd Phillips, USA, 2009
Muito engraçado. Segue a mesma fórmula clássica de qualquer comédia, mas o escracho é século XXI. Deixa Porky's e American Pie com ciúmes.
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Injeção de ânimo: The Fighter, dir. David O. Russell, USA, 2010
Filmes de boxe são geralmente sobre superação e este não é diferente. Vi esse filme numa fase difícil da minha vida e saí do cinema revigorado. Todo o elenco é muito bom, mas Christian Bale é um ator excepcional. David O. Russell tem um vigor de moleque e é um cara do qual já sou fã há algum tempo. Já que na vida real fica difícil, nada como ver um bom personagem resolvendo seus problemas metendo a porrada em geral.


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Maestro: Terrence Malick
Malick era daqueles diretores que eu sempre pensava: "quase". Seu primeiro filme que vi foi Além da Linha Vermelha/The Thin Red Line. A sequência inicial numa tribo é magistral. A paixão do diretor pela natureza é transplantada para a tela de uma forma linda. Mas, ficou por aí. Vi Badlands com Martin Sheen e fiquei com a mesma impressão: bom, mas não chega a ser uma grande obra. A Árvore da Vida acabou com essa sensação. Acho curioso que muitos disseram que era um filme experimental. Não tem nada de experimental. O filme não poderia ser mais clássico. Narrativa forte e consistente apoiada por um Brad Pitt cada dia melhor. Já virou cult. Fui atrás de outros filmes de Malick e vi Days of Heaven com Richard Gere (meu ídolo dos anos 80). Outro esplendor. Terrence Malick é gênio.


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A Obra Prima: Incendies, dir. Denis Villeneuve, Can/Fra, 2010
Um orfanato. Crianças tendo suas cabeças raspadas ao som de Radiohead. A câmera se movimenta lentamente. Que força. Que poder. A trama de dois irmãos gêmeos que têm que encontrar seu pai a pedido de sua falecida mãe. Palestina, violência, paixão, estupro, emoção. Um épico no médio oriente filmado com a agressividade de planos abertos ao extremo e close-ups torturantes. Um filme que dói. Um filme que alimenta. Maravilhoso.


Não, eu infelizmente não vi a Pele que Habito. Almodóvar por si só já seria uma categoria.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O MeLHOr e o PioR


Em uma cena do filme City Slickers (Amigos, sempre Amigos), os três companheiros do título contam o melhor e o pior momento de suas vidas. O personagem de Bruno Kirby conta o melhor momento de sua vida: farto de ver seu pai espancando sua mãe, ele acerta uma paulada no patriarca e expulsa-o de casa. Ele manda o pai nunca mais voltar. Os outros dois amigos ficam receosos de perguntar qual é o pior momento da vida dele. Afinal, se algo tão trágico foi o melhor momento de sua vida, imagina qual seria o pior momento?
Um deles finalmente se atreve e pergunta: "E qual foi o pior momento da sua vida?"

"O mesmo", ele responde.

2011 foi assim. O melhor e o pior.
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Depois de ser abandonado pela mulher que ama e impossibilitado judicialmente de ver a filha, o personagem de Gael Garcia Bernal em El Pasado, vai morar com o pai. Ele fica largado no sofá, vendo televisão, sem tomar banho. O pai, já em idade avançada, decide mudar-se para outra cidade. Gael pede para que o pai o leve junto. Promete lavar as roupas, limpar a casa e outros serviços domésticos. O pai olha para o filho com imenso desgosto e diz-lhe que não. O patriarca sabe que o filho precisa sair da depressão e buscar um objetivo útil da vida. E sabe também que sustentando seu filho de forma humilhante, não estará ajudando. Mas, mesmo que benéfica, a recusa não deixa de ser um duro golpe. A ideia do filme é excelente (sobre um cara que tem uma dependência extrema em relacionamentos afetivos). O livro no qual o filme se baseia deve ser uma obra interessante.
O ser humano traça metas para sua vida. Da mais simples, como comprar uma bicicleta, até a mais complexa, como tomar uma atitude que transforme o mundo. Me identifiquei muito (guardadas as devidas proporções) com o personagem de Gael. Valeu ter visto o filme só por causa dessa cena. Diversas vezes vi o caminho, que construía para atingir um objetivo, se ruir aos meus pés. Outras vezes atingi o objetivo mas não consegui segurá-lo em minhas mãos (talvez o mais duro de engolir).
Meu casamento acabou.

2011 foi assim. O melhor e o pior.
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Ferocidade entre a Urbe e a Flora ganhou dois prêmios de melhor filme. Os primeiros da
minha carreira. Ouvi meu nome ser chamado para receber o prêmio do júri popular no palco de Cuiabá. Ouvi elogios ao filme de diversos cineastas no festival de Buenos Aires. Tive o prazer de ouvir os aplausos do público ao lado do meu pai no festival de Vitória. Sumário: Ferocidade foi selecionado para 15 festivais nacionais e internacionais e ganhou dois troféus.
Meu melhor momento cinematográfico veio junto com a abertura oficial da minha produtora Krakatoa e três projetos de longa metragem para o ano que vem.

2011 foi assim. O melhor e o pior.
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Não tento esquecer os momentos ruins. São eles que me ensinarão a lidar com outros momentos negativos no futuro. Tento segurar o entusiasmo exacerbado em relação aos momentos bons. São eles que me manterão em cima do cavalo.

A dor de terminar um relacionamento. A alegria de viajar e ser "artista". A tristeza da solidão. O orgulho de escrever como nunca.
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2012 será bom e mau. Mas, acima de tudo, será um ano feliz.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

QUAndo a estética tem conteÚDO...ou é COOL

Ao trocar mensagens com uma amiga, ela me relatou que tinha terminado um curso de visagismo. Na minha ignorância, dei um google e li a seguinte descrição: "Visagismo é a arte de criar uma imagem pessoal que revela as qualidades interiores de uma pessoa, de acordo com suas características físicas e os princípios da linguagem visual (harmonia e estética), utilizando a maquilagem, o corte, a coloração e o penteado do cabelo, entre outros recursos estéticos." Desde que o mundo é mundo que as pessoas tentam imprimir suas personalidades através de elementos estéticos. Um cara de bem com a vida pode colocar uma camisa colorida (às vezes até inconscientemente) para representar esse estado de espírito, assim como uma pessoa deprimida pode se vestir de preto da cabeça aos pés.
No Rio de Janeiro, noto que nessa busca incessante por essa imagem pessoal, as pessoas se parecem cada vez mais. A gatinha no quarto se arrumando: "Sou periGUETE, então vou colocar essa sainha de babados, salto alto com sola colorida, blusinha folgada com decote generoso". Ela chega na Baronetti em Ipanema e se encontra com outras 100 meninas com os mesmíssimos trajes.
Em Tóquio, devido à semelhança física, os japas buscam desesperadamente mudar a cor de seus cabelos, usar roupas de tons berrantes e sapatos esdrúxulos. Com tamanha excentricidade e no meio de tantas cores, eles acabam ficando ainda mais iguais entre si.
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São poucos os cineastas que conseguem imprimir um estilo reconhecível. Se eu assistisse a um

filme inédito de Sergio Leone, reconheceria seu estilo sem que tivessem que me dizer nada. A maioria dos diretores são escravos de suas histórias e imprimem apenas o que existe de óbvio nas páginas do roteiro. Fiquei bastante impressionado com Danny Boyle quando li o livro que ele adaptou para fazer Trainspotting. As sequências mais geniais do filme, não estavam no livro, eram criações dele.
Numa preguiçosa viagem no sofá, me perguntei qual era o plano que caracterizava os curtas que já fiz. Eu tinha uma marca estética?
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Como num relâmpago lançado por Odin, veio à minha cabeça Quentin Tarantino (sempre ele). Todos os filmes dele têm o já apelidado trunk shot (plano do porta-malas). Um personagem abre o porta-malas e a câmera é posicionada dentro deste. Em Inglourious Basterds ninguém abre porta-malas, mas mesmo assim ele posiciona a câmera no chão e faz o plano para não perder a marca.
Nos meus primeiros curtas, isolado no inverno nova yorkino, eu resolvi sempre colocar a bandeira brasileira em quadro. Queria imprimir uma marca. Representava o lugar de onde eu vinha, mas sinceramente, era um simbolismo meio óbvio. Quando rodei o Ferocidade, sequer me ocorreu colocar a bandeira no filme. Só me toquei quando minha mãe mencionou que desta vez não tinha bandeira (só fã mesmo para notar).
O trunk shot do Tarantino é simplesmente estético, não tem qualquer valor narrativo. É simplesmente cool.
Martin Scorsese tem uma marca registrada já muito copiada. Ele aproxima a câmera rapidamente de um ator que vai em direção à ela. Esse plano é sempre associado a um momento de ansiedade, pressa ou euforia do personagem. Ele tem uma variação dessa técnica em que ele também aproxima a câmera do ator, só que lentamente e com o ator no mesmo lugar. É como se estivessemos entrando dentro da cabeça do personagem e sem que ele precise dizer nada, sabemos exatamente o que ele está pensando (na cena de Goodfellas abaixo, o personagem de DeNiro decide matar um chato).
Claro que ter o Robert DeNiro e uma PuTa soundtrack ajuda. No caso de Scorsese, o seu
dolly shot não só tem uma beleza estética, como tem conteúdo.
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É óbvio, CACeta! A minha marca registrada era o plano sequência. Não só por ter feito o último curta assim, mas por sempre ter trabalhado com longos takes.
Questionaram-me se rodar o roteiro em plano sequência não seria apenas uma opção estética que prejudicaria o desenrolar da história. Tinha certeza que não. Bolei o roteiro para isso. A pergunta era pertinente, pois uma coisa era ter um longo plano sequência nos meus filmes anteriores (que poderiam ser encarados apenas como estéticos); outra coisa bem diferente era fazer um filme inteiro em plano sequência e correr o risco de se tornar uma estética oca. Arrisquei e foda-se. O dinheiro é meu. Tô pagaaaaaaando.

Sorriso de canto de boca. Visagismo Cinematográfico. Eu TENho uma MARca!

NOTA- Buscando uma imagem representando estética para ilustrar o post, achei essa imagem baseada em Vertigo, do Hitchcock. Se você fixar os olhos no centro e se inclinar para frente e para trás, vai reparar que a imagem é 3D.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Ressaca - não se mexe em time QUE tá GaNHAndo

Nem me lembro da última vez que assisti a uma comédia no cinema. Nós, pseudo-intelectuais cinéfilos, temos a mania que a comédia é um gênero menor. Assistimos, rimos, mas não damos valor. É que nem pagode: ouço, mas não compro CD. Geralmente assisto comédias em casa, em dvd ou na tv a cabo. Existe uma teoria que a câmera não deve se mexer muito ou que a luz não pode ser muito contrastada para que não se perca a essência das piadas. E realmente, a teoria se aplica na maioria dos casos. Comédias não são técnicamente elaboradas. Não é a toa que as sitcoms são plano/contra-plano num ambiente muito bem iluminado e sem sombras.
Dentre os mais de 100 filmes (na coluna de obras primas à direita) que eu considero essenciais, só se enquadram dez comédias. Cinco são do Charlie Chaplin, duas do Wes Anderson, uma do Woody Allen (não, não é Noivo Neurótico), uma do Mel Brooks e Napoleon Dynamite, a comédia mais cult de sempre.
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Este ano assisti (na tv a cabo do meu pai) Se beber, não case. O título em inglês é The Hangover (A Ressaca) o que me fez perguntar: Para quê mudar o título se o original é a perfeita descrição do que acontece no filme? Existe uma tradição global de alterar radicalmente os títulos originais de filmes, mas acho que o Brasil é campeão em tal quesito. No passado, se alterava de forma até poética. The Wild Bunch (algo como O Bando Selvagem) virou Meu ódio Será sUa Herança. Algo simples como Giant (Gigante) se tornou Assim caminha a Humanidade.
Eu morei em Portugal por 10 anos e sei que os portugas também aprontam das suas. Die Hard virou Assalto ao Arranha-Céus. Quando surgiu a continuação, que não se passava num arranha-céus, virou Assalto ao Aeroporto. Com o terceiro, os tradutores desistiram e chamaram-no de Die Hard 3 mesmo. Uma vez a revista MAD sacaneou que em Portugal Um Tira da Pesada se chamou Um Policial com Excesso de Peso. Os lusitanos se vingavam sacaneando a tradução brasileira de The Godfather (O Padrinho) que aqui se chama O Poderoso Chefão.
Hoje em dia, a imaginação fértil dos tradutores deu lugar à imbecilidade. Inception vira A Origem, The Kids are all Right vira Minhas Mães e Meu Pai e The Hangover vira Se Beber, NãO CASe.
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Apesar de saber que The Hangover 2 seria uma repetição da fórmula do primeiro mudando o cenário e algumas piadas, resolvi sair de casa rumo ao cinema. Saí relaxado do filme. Ri onde tinha que rir. Sem pretensão.
No caminho de volta, percebi que não tinha saído para ver uma comédia. Tinha saído para ver um buddy movie (filme de amigos, parceiros), sub-gênero popular em todos os gêneros. Acho que gostei tanto do primeiro Hangover porque parecia um O que aconteceria se os personagens de Stand by Me (Conta Comigo) crescessem? Muito mais avacalhado, claro. Sempre sonhei em ter aquela amizade lúdica, de pessoas que dariam e arriscariam tudo por você. Queria ser um Goonie. Queria ter um Doc Brown do De Volta para o Futuro para chamar de meu. Já tive grandes amizades, mas todos acabaram se esvaindo entre brigas ou pela distância dos oceanos. De tempos em tempos faço novas amizades, mas elas acabam desaparecendo por um motivo ou outro. Às vezes não temos tempo, não telefonamos ou estamos demasiado envolvidos com um novo amor que esquecemos do resto do mundo.
No entanto, descobri que apesar de não ter uma amizade fixa por décadas como nos filmes, quando reencontro certas pessoas, parece que o tempo não passou. Essas são as verdadeiras amizades. O tempo ou a distância nos separou, mas o reencontro é como se nunca tivessemos nos separado.
Voltei a pensar em algumas piadas de The Hangover 2 e ri enquanto caminhava. As comédias podem pertencer a um gênero menor, mas não consigo viver sem elas.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Fernando Meirelles deve ter gostado...

Ferocidade entre a Urbe e a Flora já foi selecionado e exibido em: Oaxaca Film Festival (México), 14a Mostra de Tiradentes, BigPond Adelaide Film Festival (Austrália).

Ainda será exibido nos Cine Fests Petrobras de Nova York (Junho), Vancouver, Londres, Buenos Aires e Montevidéu. A curadoria de seleção desses festivais inclui Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus. Para quem sofreu no primeiro semestre de 2010 por nenhum festival ter selecionado o filme, não está nada mal.

Enquanto o circuito de festivais não acaba (impossibilitando postar na internet), dá para dar uma sacada neste teaser.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Celebração à morte - Bin Laden ao mar

Num dos 7 restaurantes que trabalhei em NY (fui dispensado de um, pedi demissão em outro e fui escorraçado de 5) tinha um patrão verdadeiramente Darth Vaderiano. Ele comia restos do lixo e exigia que as almôndegas que voltassem das mesas fossem dissolvidas no molho à bolonhesa (não vou entrar em detalhes, como por exemplo o fato de todo restaurante ter baratas, para não causar um boicote a restaurantes pelos leitores deste blog). Adorava um bullying nos funcionários e jogava um contra o outro. E pior dos piores, sendo um judeu sem família, não permitia que fechássemos o restaurante (às moscas) mais cedo em pleno dia 24 de Dezembro. Ele era muito gordo e se vestia completamente de preto. Obviamente, quando ele entrava, alguém sempre entoavaThe Imperial March, tema de Darth Vader.
Tirando o latino aqui, todos os garçons eram americanos e todos odiavam com veemência este ser chamado Mike - seu verdadeiro nome é Myron, mas como soava muito judeu para um proprietário de cantina italiana, só permitia que o chamassem de Mike. Acho que com a exceção de um ou outro, todos já tinham proferido algum comentário sobre ele estar melhor debaixo da terra. Alguns pegavam mais pesado e diziam que o matariam pessoalmente se soubessem que não iriam para a cadeia. Tinha uma frase num boteco em frente ao restaurante que dizia: "Algumas pessoas só não estão mortas porque é ilegal matá-las". Uma vez ouvi uma história que um garçon já demitido colocava diariamente uma colher de sal no remédio contra hipertensão do Mike. Uma tentativa de assassinato lenta, mas Mike continuava firme e forte e o garçon já era.
Não conseguia entender (não queria entender) como alguém poderia desejar a morte de alguém por pior que aquela pessoa fosse.
Não me surpreendi com as demonstrações de euforia e celebração em NY após o anúncio do assassinato de Osama Bin Laden. Pessoas bebendo, comemorando pelas ruas como se o NY Giants tivesse ganho a Superbowl. Se não soubesse o contexto, era exatamente isso que lembrava os sorrisos novaiorquinos.
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Quando me encantei pelo Charles Bronson ("aquele do bigodinho") no início da adolescência
depois de ver The Great Escape (Fugindo do Inferno) e Dirty Dozen (Os Doze Condenados), meu pai me falava sobre um filme dele chamado The Mechanic. Não encontrava em nenhuma locadora aquele filme obscuro, co-estrelado por Jan-Michael Vincent (a aposta de galã dos estúdios que nunca vingou e que é mais lembrado por papel na TV em Airwolf, Águia de Fogo no Brasil [???]).
Um dia, meu pai chegou com O Mecânico (em Portugal, no Brasil se chamou Assassino à Preço Fixo). Este ano, tivemos um remake com o Jason Statham, que não tem o bigodão suntuoso do Bronson, mas tem uma carequinha reluzente para compensar. A trama é simples: assassino profissional à beira da aposentadoria aceita treinar jovem no ofício. Não precisa ser um gênio para saber o que acontece.
Sempre que penso em Osama Bin Laden, lembro desse filme. Soviéticos no Afeganistão, jovem Bin saudita milionário rebelde, guerra fria, CIA fornece armas e treinamento para Bin e galera "da Base", mais conhecida como al-Quaeda. O jovem Bin passa de pupilo dos EUA a professor dos terroristas, o feitiço vira contra o feiticeiro e o resto todos sabem como acabou. De aliado a rival. Seria exagero dizer que os EUA são o Dr. Frankenstein e Osama, sua criatura?
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No John's Restaurant de Mike, eu presenciei os maiores furtos e pilhagens da história da hotelaria. Cerveja consumida a rodo no final do expediente, garrafas de vinho levadas para casa, molho de tomate, papel higiênico. Tinha um colega meu que já nem ia ao supermercado. Descia para o porão e dizia: Going shopping. Outra lenda dizia que o cunhado do Nick (um garçon insuportável) pagou a faculdade das duas filhas tirando dinheiro do caixa do John's. Eu me contentava em levar camarões VG.
Como se não bastasse o Darth Vader, ainda tinha o Nick, o outro sócio, mas é melhor falar dele em outra postagem. Os dois se completavam em seus jogos de desprezo e humilhação aos funcionários. E os funcionários revidavam roubando tudo que vissem pela frente. Muitos diziam que não era roubo, que era justiça. Tá bom, eu acreditava. E levava meia dúzia de camarões. A retaliação nunca tem fim até que uma das partes ceda.
O restaurante onde eu fui mais bem tratado, se localizava no West Village e se chamava Alfama. Comida portuguesa divina. Tinha um patrão mais chatinho, mas o outro era super educado. Nesse restaurante quase não aconteciam furtos. Lembrando que furto de birita em restaurante é igual presença de barata. S-E-M-P-R-E tem. Onde se era açoitado, roubava-se de tudo. Onde se era acariciado, roubava-se só um pouquinho. Quer dizer, fazia-se justiça.
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Keep the River on Your Right é um documentário sobre um antropologista americano que é convencido pelos diretores do filme a voltar a certos lugares inóspitos que ele visitou na juventude. Ele vai tranquilamente para Papua Nova Guiné onde ele teve um caso com um nativo. No entanto, ele se recusa a ir ao Peru onde visitou e morou com uma tribo. Era 1955 e além de Tobias Schneebaum ser um antropologista, ele era também um pintor. Ele chegou a uma tribo na Amazônia e foi bem recebido, morou com os nativos. Uma bela noite, os índios se prepararam para caçar e obrigaram o pintor a ir com eles. Eles invadiram uma outra tribo e mataram seus rivais. De acordo com a tradição, cozinharam e comeram seus inimigos. Aos prantos, Tobias foi obrigado a comer também. Ele nunca mais pintou. O subtítulo desse filme é A Modern Cannibal Tale.
A alegria de ver pessoas com bandeiras em punho, rindo devido ao assassinato de uma pessoa, não me choca. O presidente da Galoucura participou do espancamento que matou um torcedor cruzeirense. Mataram um cara e comemoraram por causa de futebol. Se somos capazes disso, claro que vamos comemorar a morte do terrorista Nº 1. Acho estranho, mas não surpreendente. Se eu postasse no Facebook que minha avó morreu e alguém clicasse em "curtir", ia achar estranho.
Me sinto na obrigação de sentir algo. Acho que seria mais apropriado dizer que sinto vergonha. Não dos americanos, afinal basta ver a cena do genial doc Ônibus 174 para constatar o desejo de sangue brasileiro quando a população parte para cima do sequestrador tentando linchá-lo. Ou o caso da Galoucura acima. Acho que a vergonha é do ser humano, eu incluído. Afinal, não matei ninguém, não comemorei a morte de ninguém, mas comi muito camarão VG.