terça-feira, 10 de maio de 2011

Celebração à morte - Bin Laden ao mar

Num dos 7 restaurantes que trabalhei em NY (fui dispensado de um, pedi demissão em outro e fui escorraçado de 5) tinha um patrão verdadeiramente Darth Vaderiano. Ele comia restos do lixo e exigia que as almôndegas que voltassem das mesas fossem dissolvidas no molho à bolonhesa (não vou entrar em detalhes, como por exemplo o fato de todo restaurante ter baratas, para não causar um boicote a restaurantes pelos leitores deste blog). Adorava um bullying nos funcionários e jogava um contra o outro. E pior dos piores, sendo um judeu sem família, não permitia que fechássemos o restaurante (às moscas) mais cedo em pleno dia 24 de Dezembro. Ele era muito gordo e se vestia completamente de preto. Obviamente, quando ele entrava, alguém sempre entoavaThe Imperial March, tema de Darth Vader.
Tirando o latino aqui, todos os garçons eram americanos e todos odiavam com veemência este ser chamado Mike - seu verdadeiro nome é Myron, mas como soava muito judeu para um proprietário de cantina italiana, só permitia que o chamassem de Mike. Acho que com a exceção de um ou outro, todos já tinham proferido algum comentário sobre ele estar melhor debaixo da terra. Alguns pegavam mais pesado e diziam que o matariam pessoalmente se soubessem que não iriam para a cadeia. Tinha uma frase num boteco em frente ao restaurante que dizia: "Algumas pessoas só não estão mortas porque é ilegal matá-las". Uma vez ouvi uma história que um garçon já demitido colocava diariamente uma colher de sal no remédio contra hipertensão do Mike. Uma tentativa de assassinato lenta, mas Mike continuava firme e forte e o garçon já era.
Não conseguia entender (não queria entender) como alguém poderia desejar a morte de alguém por pior que aquela pessoa fosse.
Não me surpreendi com as demonstrações de euforia e celebração em NY após o anúncio do assassinato de Osama Bin Laden. Pessoas bebendo, comemorando pelas ruas como se o NY Giants tivesse ganho a Superbowl. Se não soubesse o contexto, era exatamente isso que lembrava os sorrisos novaiorquinos.
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Quando me encantei pelo Charles Bronson ("aquele do bigodinho") no início da adolescência
depois de ver The Great Escape (Fugindo do Inferno) e Dirty Dozen (Os Doze Condenados), meu pai me falava sobre um filme dele chamado The Mechanic. Não encontrava em nenhuma locadora aquele filme obscuro, co-estrelado por Jan-Michael Vincent (a aposta de galã dos estúdios que nunca vingou e que é mais lembrado por papel na TV em Airwolf, Águia de Fogo no Brasil [???]).
Um dia, meu pai chegou com O Mecânico (em Portugal, no Brasil se chamou Assassino à Preço Fixo). Este ano, tivemos um remake com o Jason Statham, que não tem o bigodão suntuoso do Bronson, mas tem uma carequinha reluzente para compensar. A trama é simples: assassino profissional à beira da aposentadoria aceita treinar jovem no ofício. Não precisa ser um gênio para saber o que acontece.
Sempre que penso em Osama Bin Laden, lembro desse filme. Soviéticos no Afeganistão, jovem Bin saudita milionário rebelde, guerra fria, CIA fornece armas e treinamento para Bin e galera "da Base", mais conhecida como al-Quaeda. O jovem Bin passa de pupilo dos EUA a professor dos terroristas, o feitiço vira contra o feiticeiro e o resto todos sabem como acabou. De aliado a rival. Seria exagero dizer que os EUA são o Dr. Frankenstein e Osama, sua criatura?
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No John's Restaurant de Mike, eu presenciei os maiores furtos e pilhagens da história da hotelaria. Cerveja consumida a rodo no final do expediente, garrafas de vinho levadas para casa, molho de tomate, papel higiênico. Tinha um colega meu que já nem ia ao supermercado. Descia para o porão e dizia: Going shopping. Outra lenda dizia que o cunhado do Nick (um garçon insuportável) pagou a faculdade das duas filhas tirando dinheiro do caixa do John's. Eu me contentava em levar camarões VG.
Como se não bastasse o Darth Vader, ainda tinha o Nick, o outro sócio, mas é melhor falar dele em outra postagem. Os dois se completavam em seus jogos de desprezo e humilhação aos funcionários. E os funcionários revidavam roubando tudo que vissem pela frente. Muitos diziam que não era roubo, que era justiça. Tá bom, eu acreditava. E levava meia dúzia de camarões. A retaliação nunca tem fim até que uma das partes ceda.
O restaurante onde eu fui mais bem tratado, se localizava no West Village e se chamava Alfama. Comida portuguesa divina. Tinha um patrão mais chatinho, mas o outro era super educado. Nesse restaurante quase não aconteciam furtos. Lembrando que furto de birita em restaurante é igual presença de barata. S-E-M-P-R-E tem. Onde se era açoitado, roubava-se de tudo. Onde se era acariciado, roubava-se só um pouquinho. Quer dizer, fazia-se justiça.
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Keep the River on Your Right é um documentário sobre um antropologista americano que é convencido pelos diretores do filme a voltar a certos lugares inóspitos que ele visitou na juventude. Ele vai tranquilamente para Papua Nova Guiné onde ele teve um caso com um nativo. No entanto, ele se recusa a ir ao Peru onde visitou e morou com uma tribo. Era 1955 e além de Tobias Schneebaum ser um antropologista, ele era também um pintor. Ele chegou a uma tribo na Amazônia e foi bem recebido, morou com os nativos. Uma bela noite, os índios se prepararam para caçar e obrigaram o pintor a ir com eles. Eles invadiram uma outra tribo e mataram seus rivais. De acordo com a tradição, cozinharam e comeram seus inimigos. Aos prantos, Tobias foi obrigado a comer também. Ele nunca mais pintou. O subtítulo desse filme é A Modern Cannibal Tale.
A alegria de ver pessoas com bandeiras em punho, rindo devido ao assassinato de uma pessoa, não me choca. O presidente da Galoucura participou do espancamento que matou um torcedor cruzeirense. Mataram um cara e comemoraram por causa de futebol. Se somos capazes disso, claro que vamos comemorar a morte do terrorista Nº 1. Acho estranho, mas não surpreendente. Se eu postasse no Facebook que minha avó morreu e alguém clicasse em "curtir", ia achar estranho.
Me sinto na obrigação de sentir algo. Acho que seria mais apropriado dizer que sinto vergonha. Não dos americanos, afinal basta ver a cena do genial doc Ônibus 174 para constatar o desejo de sangue brasileiro quando a população parte para cima do sequestrador tentando linchá-lo. Ou o caso da Galoucura acima. Acho que a vergonha é do ser humano, eu incluído. Afinal, não matei ninguém, não comemorei a morte de ninguém, mas comi muito camarão VG.

Um comentário:

  1. Relembre Maria Clara Machado: Pluft o Fantasminha.
    - "Mãe eu tenho medo de gente.
    - Filho, gente é que que tem medo de fantasma!
    - Mas mãe eu tenho muito medo de gente!"
    Eu também, e embora acredite no ser humano, sempre vejo, sei, leio, atitudes humanas que me chocam profundamente, para o bem e para o mal.
    Eu tenho fé na humanidade e lembro a cantiga do He Man: "O bem vence o mal, espanta o temporal..." A conscientização é muito importante e os comunistas pregavam a purga. Será? A felicidade é boa, pequenina, são momentos, e depende de nós, de gostar de sermos felizes e viver cada momentinho desse. A soma deles faz pessoas felizes, sorridentes, produtivas. A propósito, amo o bigodinho...
    Bjs,

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