sábado, 19 de maio de 2012

A FRieza da ObjetiviDADE

O 3D fez com que voltássemos à sensação do passado. Há 60 anos atrás se o espectador perdesse um filme que passou no cinema, ele teria a incerteza se algum dia conseguiria ver aquela "fita". Com muita sorte, caso o filme fosse um grande sucesso, talvez reprisassem numa matinê no próximo ano. Eu me sinto assim em relação ao 3D. Se o filme sair de cartaz, não vou ter mais aquela sensação única (quem viu Avatar na televisão, sabe o que eu estou falando).
Por essa razão tive que viajar para fora do Rio para ver A invenção de Hugo Cabret em 3D. Tive que ir até à Barra da Tijuca. Na Miami carioca, no New York City Center, na sala De Lux do Multiplex, pela bagatela de 25 reais (meia entrada). Luxos que só a aristocracia da Barra poderia ter a criatividade de criar.
A abertura é fantástica. A câmera passeia digitalmente pela Gare du Nord entre passageiros e trens. A fumaça das locomotivas e a neve do inverno Parisiense parecem passar constantemente pelo rosto do espectador. Realmente, Hugo é o filme onde o 3D foi mais bem aplicado até hoje. No entanto, como um leigo da sétima arte, me perguntei: e daí? Por diversas vezes me senti entediado. A história do orfão, que sonha em consertar um autômato que escreverá uma mensagem de seu falecido pai, não me encantou.
O trânsito de uma hora até em casa (viajar para a Barra não é mole) me deu tempo para questionar meus sentimentos. Achei o filme infantil e previsível por não mais me permitir ser ingênuo e lúdico? Teriam os problemas profissionais e pessoais do dia em questão influenciado o meu mau humor em relação ao filme? Teria me tornado uma pessoa fria?
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Compenetrado no sofá, liam-me um trabalho para a faculdade. Dentro da minha loucura e dentro do possível, tentava prestar o máximo de atenção. Apesar de entender o assunto que me era ditado, não conseguiria me lembrar agora sobre o que se tratava. A culpa era de uma frase lida logo no início. Algo sobre a subjetividade da imagem. O orador do trabalho, tinha visto meus três curtas metragens, e gostado mais do primeiro que realizei, Out of the Prohibition Era. Criei uma empatia imediata por essa preferência já que era também o meu filme preferido. A maioria das pessoas que já assistiram aos meus trabalhos de ficção, costumam preferir Ferocidade, o meu último filme. Prohibition é um filme enquadrado de forma pouco convencional, abusa da falta de foco, tem uma narrativa fragmentada e pouco explicativa. A estreia de um cineasta ainda embrenhado na demência de contar uma história. Ferocidade é um filme linear, crú, racional, extremamente suportado pela técnica cinematográfica adquirida ao longo dos anos. Prohibition é subjetivo. Ferocidade é objetivo.
Ao chegar em casa, procurei o livro A Imagem-Tempo do filósofo Gilles Deleuze. Rapidamente encontrei o trecho que procurava: "Quanto à distinção entre o subjetivo e objetivo, ela também tende a perder a importância, à medida que a situação ótica ou a descrição visual substituem a ação motora. Pois acabamos caindo num princípio de indeterminabilidade ou indiscernibilidade: não se sabe mais o que é imaginário ou real, físico ou mental na situação, não que sejam confundidos, mas porque não é preciso saber, e nem mesmo há lugar para a pergunta. É como se o real e o imaginário corressem um atrás do outro, se refletissem um no outro, em torno de um ponto de indiscernibilidade."
Era um jovem estudante de cinema com um olhar subjetivo e me tornei um artista com mais de 30 anos com visão objetiva. Meu convívio com o autor do trabalho de faculdade me fez enxergar que tinha me afastado do meu lado mais maluco para criar: a subjetividade.
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As pessoas costumam se referir a pontos chaves do filme "que não entenderam". Sobre aquela imagem "que não fez sentido". Sobre aquele filme do David Lynch sem pé nem cabeça. Talvez por ser uma forma de arte mais antiga, na pintura isso já não acontece com tamanha frequência. Não vejo uma pessoa apontando para um Kandinsky e dizendo que não entendeu. Ela gosta ou não. Fica ali admirando ou vai embora. A apreciação é mais pura.
Na sétima arte, seus espectadores vivem em busca de respostas e acontecimentos lógicos. Feliz daquele que acorda e não questiona o significado de seu sonho. Ele simplesmente aceita a falta de coerência do seu subconsciente.
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Sempre busquei na subjetividade uma forma de me conectar e construir uma realidade. O entrelaçamento do real e do imaginário sempre foi minha meta. Analisando minha condição atual enquanto artista, me assustei ao pensar nessa frieza da minha vida pessoal. Busco um imediatismo nas minhas paixões e se não são correspondidas, corto o contato. Creio que a rejeição da vida está me tornando duro, intransigente. Em suma: frio. Talvez por isso ame tanto o calor do sol carioca. Preciso de calor. Tenho necessidade de me aquecer constantemente para derreter o gelo que se instala nas minhas entranhas.
Tomei uma atitude hoje que poderia ser interpretada como um fechar de porta. Algo que não tem mais volta. Porém, a porta continua aberta, mesma que seja uma fresta. Em breve passarei por ela novamente, de preferência com minha subjetividade recuperada. Tudo vai depender do POnto de Vista.