quarta-feira, 22 de julho de 2009

Calvário Feroz: na TV domiciliar sou pupilo dos mestres. Parte III

Dizem que Wes Anderson, no meio das filmagens de Royal Tenenbaums, decidiu assistir a um filme de Buñuel para se inspirar. Impossível dizer que foi por falta de organização ou não saber o que filmar. Esse caboclo planeja os planos meticulosamente. De Bottle Rocket à Darjeeling Limited a direção de arte é exemplar, os móveis posicionados simetricamente, a roupa dos atores condiz com sentimentos ou com a cor do espaço (olha a foto acima). O cara é geek, porra. Já viu CDF desorganizado? Ele realmente foi assistir ao filme de Buñuel para se inspirar em algo que faria similarmente ao mestre.
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Quentin Tarantino e Brian de Palma fazem referência aos grandes mestres? Sim. São plagiadores? Óbvio que não. Plágio (pago e consentido) é o Lata Velha do Luciano Huck em cima do Pimp my Ride da MTV. Esses dois diretores simplesmente fazem das suas referências algo explícito e escancarado. Tarantino se diverte filmando Sergio Leone com espadas ao invés de revólveres. De Palma reverencia Hitchcock de forma trash e jocosa em inúmeros filmes. Os caras mandam bem brincando com o trabalho dos outros e não devem ser menos respeitados por isso (apesar de De Palma estar quilômetros à frente de Tarantino).
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Com essa história do curta que rodarei em agosto ser um plano sequência, tenho revisto alguns filmes clássicos e nem tão clássicos. Irreversible foi um deles. Aprendi muito com o making of. Podem falar que o filme é grotesco, nojento, ruim, pútrido, etc, mas raramente o plano sequência foi tão bem usado, coreografado e do cacete. Estamos numa democracia, respeito o gosto alheio e admiro tremendamente a individualidade crítica de cada um, mas, quem acha esse filme ruim é um babaca. Ou, eu sou um babaca (que é algo bem plausível).

Vi também Blow Up de Michelangelo Antonioni. Meu filme se passa no meio da floresta da Tijuca e, apesar da diferença de estilo, os planos sequência no parque inglês foram bastante inspiradores.
Meu assistente de direção lembrou hoje de Shining/O Iluminado do Stanley Kubrick. Sem dúvidas não poderia me esquecer de assistir a essa joia. Talvez amanhã.
Preciso ainda rever The Man with the Golden Arm do Otto Preminger com um Frank Sinatra fazendo um junkie de heroína. Enfim, tenho que ver ainda várias coisas.

Os mestres estão aí para isso; para nós plagiarmos. Quer dizer, nos inspirarmos.
foto: Wes Anderson na sua loja de taxidermia preferida (Paris) por Andrew Eccles da NY
Magazine. Olha os lugares que a criança gosta de frequentar...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Vim, Vi, Curti (ou NãO)

KINO - L'instinct de mort/Inimigo Público Nº1, dir. Jean-François Richet, France/Canada/Italia, 2008.

Uma cena no ínicio mostra que o protagonista não gosta de seguir ordens. Uma cena com o pai mostra que o protagonista quer ser o oposto do patriarca dominado pela esposa. Tirando isso, não existem mais explicações para o comportamento violento e suicida do biografado. É um filme de ação vazio com muito sangue? Sim, mas só por não ser americano e estrelar o nervoso Vince Cassel, já vale o ingresso. Guardadas as devidas proporções, me lembrou Borsalino & Co., com Alain Delon, que é um clássico.

KINO 2 - Nunta muta/Casamento Silencioso, dir. Horatiu Malaele, Romania/Luxembourg/France, 2008.

Soluções visuais mirabolantes e eficazes. Reverência ao cinema mudo. Interessante como o público no cinema faz mais barulho que os atores na tela que precisam celebrar um casamento sem que o exército soviético perceba. A magia na tela me lembrou Fellini...

KINO 3 - A Festa da Menina Morta, dir. Matheus Nachtergaele, Brasil, 2009.

Os planos sequência nem sempre fazem sentido no filme. Às vezes o diretor parece bem seguro e o filme desenrola bem, mas quando cisma de copiar o estilo de Cláudio Assis, ele se perde.

ANTENA - Som & Fúria, dir. Fernando Meirelles, Brasil, 2009.


Sem grandes inovações apesar de eficaz e engraçado. De original, somente o fato de duas personagens fumarem maconha sem serem taxadas de bandidas, perdidas ou loucas (coisa que 35 anos de novelas na Globo nunca mostrou).

sábado, 18 de julho de 2009

Calvário Feroz: Plano sequência no meio do mato - uma loucura programada. Parte II

Um plano sequência nada mais é do que uma cena filmada sem interrupções/cortes. Vídeos caseiros são repletos de planos sequências visto que aquela tia velha pega a câmera e roda sem cortar por uns 30 minutos. A alma do cinema sempre foi a montagem, a edição.
Vemos um homem sentado à mesa de longe, corta para ele mais perto e finalmente corta para um close de sua mão levando uma xícara de café à boca. Num plano sequência, vemos o homem sentado à mesa de longe, a câmera se aproxima da mesa chegando mais perto até que se chegue ao close da xícara. Em teoria, o plano sequência pode parecer mais real, já que é mais orgânico, mas é justamente a montagem que faz com que as narrativas pareçam mais autênticas.

Chama-se de montagem Hollywoodiana ou invisível quando os cortes são feitos de forma que o público não perceba o aparato cinematográfico. O homem está sentado à mesa num plano aberto, corta-se para um plano mais fechado, e somente quando ele se movimenta para pegar a xícara, cortamos para um close. Se formos direto do plano aberto para o close, a tendência é que a transição seja muito brusca e o espectador "saia" do filme.

O plano sequência, como não tem cortes, faz com que o espectador comece a prestar atenção em outras coisas que não seja a ação da cena. Assisti ainda agora à Festa da Menina Morta de Matheus Nachtergaele, um filme repleto de planos sequências (recurso que no cinema brasileiro tem mais a ver com questões financeiras do que estéticas. Enquadra-se uma cena, faz-se o ator despejar o texto todo duma vez e pronto. Sem rodar closes, planos médios, inserts, variações de planos gerais, o filme é rodado mais rapidamente e como tal, sai mais barato). No filme, tem um momento em que Cássia Kiss faz um monólogo com Daniel de Oliveira ao fundo. Eles quase não se mexem enquanto ela discursa ininterruptamente. A tendência é que seus olhos comecem a passear pela tela e sua mente divague. Quando o filme é bom, esse recurso é usado justamente para "tirar" o público do filme e fazer com que ele questione temas ou ideias apresentadas pelo diretor. Nesse momento, tem-se completa noção que estamos assistindo a um filme, que estamos numa sala de cinema e assim por diante. Um filme como Duro de Matar, que tem uma montagem invisível e rápida, não deixa que desgrudemos os olhos da tela, não nos dando tempo para piscar, quanto mais para pensar. Dizem que é por isso que Hollywood domina o mundo, porque seus filmes não são feitos para pensar...

O filme que rodarei em agosto será composto por um único plano sequência. No entanto não será um plano sequência como os da Festa da menina Morta ou os de vários filmes de Jim Jarmusch e Antonioni. Nos planos sequência desses filmes, a câmera raramente se mexe, e por isso causam esse efeito de reflexão em quem assiste. Neste curta, o plano sequência acompanhará o protagonista para onde quer que ele vá. E olha que o bicho vai entrar dentro da floresta da Tijuca. A câmera estará em movimentação constante, trocando de foco, mudando a perspectiva e assim, não "tirará" tanto o espectador da narrativa. Será uma mistura de ação desenfreada em que o público está imerso no filme e momentos de placidez em que se apercebe do aparato cinematográfico ("existe um diretor, existe uma câmera, opa, tô vendo um filme"). Se existirá reflexão...aí já não sei. Espero que sim.
Porque todos que entendem de cinema dizem que sou louco por rodar um filme em um único plano? Ensaios têm que ser milimétricos, a equipe tem que estar muito bem sincronizada, em caso de erro do elenco ou da equipe técnica tem que se começar tudo de novo, sombras da câmera podem estragar tudo (em Irreversible apagaram sombras com softwares específicos) e por aí vai. Mas, meu medo mórbido e angustiante é apenas um: pode ficar chato pra caralho. Tem um momento que o protagonista tem que andar por um minuto, no meio da mata, sem falar nada. O desafio é imenso, o maior de minha curta carreira. Minha segurança tem vindo das pessoas que se envolveram neste projeto. Acreditam em mim (ou pelo menos fingem).

Meus dois filmes anteriores têm vários planos sequências. No primeiro, Out of the Prohibition Era, o protagonista vinha andando de longe e demorava uns 40 segundos para chegar perto da câmera. Para alguns, esses 40 segundos pareciam uma eternidade. Para outros, foi o melhor plano do filme. Gosto é gosto. Bunda é bunda.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Prozac da Semana


Meu velho curta (Zero Hora de 2005) foi projetado em Ipanema. Já tinha rodado os festivais que precisava, como Brasília e o New York Brazilian Film Festival, mas nunca tinha sido exibido no Rio. Coloquei o filme nessa mostra com a intenção de que alguns amigos que nunca viram o filme fossem lá prestigiar. Foi maravilhoso sentir a energia do público depois de tanto tempo (a casa estava lotada apesar de conhecer poucas pessoas). As risadas, a tensão. Acho que no fundo queria me sentir querido de novo como artista antes de rodar este novo curta em agosto. A maioria dos convidados não compareceu. Mas os que compareceram é que contam. Aprendi isso amargamente numa festa de aniversário de 15 anos. Só interessa quem está presente. E os que apareceram, me fizeram feliz...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Winner Take Steve

Falso comercial da Nike dirigido por Jared Hess (Napoleon Dynamite). Se eu soubesse escrever comédia, queria que fosse assim, apesar de ser um humor bem específico (meio geek mesmo) que nem todos gostam.

Quando fui a NY pela última vez, meu caro amigo diretor Marcello Lima me mostrou essa joia.

Eu acho essa parada hilária. Apreciem.



segunda-feira, 6 de julho de 2009

Calvário Feroz: a realização de mais um curta metragem. Parte I


Conheci brevemente Darren Aronofsky quando morava em NY. Simpático, ele transmitia otimismo em tudo que falava. Todas as suas frases terminavam com um sorriso. Hoje me lembrei do otimismo desse diretor que tanto me inspira.

Darren Aronofsky declarou no making of de Requiem for a dream que após fazer Pi e ganhar o prêmio de melhor diretor em Sundance, achou que seria fácil fazer seu segundo filme. Ele tinha 30 anos de idade e com apenas um filme na gaveta (rodado por 60 mil dólares) já era considerado um dos mais promissores cineastas americanos. Os executivos dos grandes estúdios disseram que ele poderia escrever o que ele quisesse que eles bancariam o filme. Aronofsky adaptou Requiem for a dream do livro de Hubert Selby Jr. e ouviu dos mesmos executivos que eles nunca poderiam bancar tal história. Quem já viu o filme, repleto de junkies vivendo de heroína, sabe porquê. Acabou tendo que fazer o filme com um orçamento apertado, de forma independente. Concluindo, Aronofsky disse que o segundo filme foi mais difícil do que o primeiro. Imagino que o terceiro, The Fountain, deve ter sido ainda mais difícil visto que foi lançado seis anos depois de Requiem. De 1998 até 2008, Darren fez quatro filmes. Pouco para os padrões americanos.
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Eis que inicio a pré-produção do meu terceiro curta: Ferocidade - entre a Urbe e a Flora. Já me deparo com o filme mais difícil de minha autoria. Não me refiro aos apectos técnicos, e sim, ao que a obra demanda de mim. Uma demanda psicológica intensa que me leva a estados que alternam entre a depressão e a euforia. A pré-produção, que inclui toda a preparação nos mínimos detalhes para a filmagem, é a fase que mais me esgota. É a etapa que questiono ininterruptamente a qualidade do projeto e o meu talento em realizá-lo. O medo do fracasso é imenso.
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Escrevi Ferocidade ainda na faculdade em 2003. Tinha escrito para rodá-lo para uma aula de direção. Acabei tendo que trancar a aula porque estava no meu último semestre finalizando meu curta de conclusão de curso. O tempo era escasso e acabei não filmando esse roteiro.

Em 2005 finalizo Zero Hora e desde então adio todos os meus projetos artistícos.

É duro dizer isso abertamente, mas na verdade, a razão dessa procrastinação é o medo de errar. Obviamente, não existe certo ou errado na arte (talvez nem mesmo na vida), mas todos os trabalhos artistícos são julgados. Eu não lido bem com críticas negativas. Se dizem que o roteiro é confuso, me sinto ofendido. Quando mando um filme para um festival e este não é aceito, me sinto fracassado.

Peno ao pensar que já estou no Rio de Janeiro há quatro anos e que criei muito pouco. Dou como desculpa o fato de ter que trabalhar filmando institucionais para a Petrobras ou editando campanhas políticas. Sim, preciso de dinheiro, mas no fundo sei que isso são desculpas esfarrapadas. Eu sei e pessoas próximas a mim também sabem que sempre temos tempo para criar.

Estou numa midlife crisis há cinco ou seis anos que precisa se encerrar. Sempre digo aos meus amigos artistas que a obra tem que ser considerada boa pelo próprio autor que só assim conseguirá agradar a seu público. Tenho ignorado minha própria máxima. Fico preocupado com o que acharão, o que pensarão, se gostarão... Tudo isso é implícito em mim. Na maioria das vezes não percebo que estou enrolando o projeto devido a esse medo. Tenho que enfrentar esse medo da rejeição assumindo-o.
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Inicio neste blog uma espécie de diário de produção para lutar contra mim mesmo. Eu sou meu maior inimigo e irei combatê-lo. Ao tornar público este projeto, obrigo-me a prossegui-lo. Está aqui, gravado nas páginas da world wide web o meu comprometimento com a conclusão deste filme. Agora não tem mais volta. Márcio B. Venturi vencerá Márcio Monteiro Ventura Leite.
foto: Darren Aronofsky com Mickey Rourke no set por Annie Leibovitz