sábado, 18 de julho de 2009

Calvário Feroz: Plano sequência no meio do mato - uma loucura programada. Parte II

Um plano sequência nada mais é do que uma cena filmada sem interrupções/cortes. Vídeos caseiros são repletos de planos sequências visto que aquela tia velha pega a câmera e roda sem cortar por uns 30 minutos. A alma do cinema sempre foi a montagem, a edição.
Vemos um homem sentado à mesa de longe, corta para ele mais perto e finalmente corta para um close de sua mão levando uma xícara de café à boca. Num plano sequência, vemos o homem sentado à mesa de longe, a câmera se aproxima da mesa chegando mais perto até que se chegue ao close da xícara. Em teoria, o plano sequência pode parecer mais real, já que é mais orgânico, mas é justamente a montagem que faz com que as narrativas pareçam mais autênticas.

Chama-se de montagem Hollywoodiana ou invisível quando os cortes são feitos de forma que o público não perceba o aparato cinematográfico. O homem está sentado à mesa num plano aberto, corta-se para um plano mais fechado, e somente quando ele se movimenta para pegar a xícara, cortamos para um close. Se formos direto do plano aberto para o close, a tendência é que a transição seja muito brusca e o espectador "saia" do filme.

O plano sequência, como não tem cortes, faz com que o espectador comece a prestar atenção em outras coisas que não seja a ação da cena. Assisti ainda agora à Festa da Menina Morta de Matheus Nachtergaele, um filme repleto de planos sequências (recurso que no cinema brasileiro tem mais a ver com questões financeiras do que estéticas. Enquadra-se uma cena, faz-se o ator despejar o texto todo duma vez e pronto. Sem rodar closes, planos médios, inserts, variações de planos gerais, o filme é rodado mais rapidamente e como tal, sai mais barato). No filme, tem um momento em que Cássia Kiss faz um monólogo com Daniel de Oliveira ao fundo. Eles quase não se mexem enquanto ela discursa ininterruptamente. A tendência é que seus olhos comecem a passear pela tela e sua mente divague. Quando o filme é bom, esse recurso é usado justamente para "tirar" o público do filme e fazer com que ele questione temas ou ideias apresentadas pelo diretor. Nesse momento, tem-se completa noção que estamos assistindo a um filme, que estamos numa sala de cinema e assim por diante. Um filme como Duro de Matar, que tem uma montagem invisível e rápida, não deixa que desgrudemos os olhos da tela, não nos dando tempo para piscar, quanto mais para pensar. Dizem que é por isso que Hollywood domina o mundo, porque seus filmes não são feitos para pensar...

O filme que rodarei em agosto será composto por um único plano sequência. No entanto não será um plano sequência como os da Festa da menina Morta ou os de vários filmes de Jim Jarmusch e Antonioni. Nos planos sequência desses filmes, a câmera raramente se mexe, e por isso causam esse efeito de reflexão em quem assiste. Neste curta, o plano sequência acompanhará o protagonista para onde quer que ele vá. E olha que o bicho vai entrar dentro da floresta da Tijuca. A câmera estará em movimentação constante, trocando de foco, mudando a perspectiva e assim, não "tirará" tanto o espectador da narrativa. Será uma mistura de ação desenfreada em que o público está imerso no filme e momentos de placidez em que se apercebe do aparato cinematográfico ("existe um diretor, existe uma câmera, opa, tô vendo um filme"). Se existirá reflexão...aí já não sei. Espero que sim.
Porque todos que entendem de cinema dizem que sou louco por rodar um filme em um único plano? Ensaios têm que ser milimétricos, a equipe tem que estar muito bem sincronizada, em caso de erro do elenco ou da equipe técnica tem que se começar tudo de novo, sombras da câmera podem estragar tudo (em Irreversible apagaram sombras com softwares específicos) e por aí vai. Mas, meu medo mórbido e angustiante é apenas um: pode ficar chato pra caralho. Tem um momento que o protagonista tem que andar por um minuto, no meio da mata, sem falar nada. O desafio é imenso, o maior de minha curta carreira. Minha segurança tem vindo das pessoas que se envolveram neste projeto. Acreditam em mim (ou pelo menos fingem).

Meus dois filmes anteriores têm vários planos sequências. No primeiro, Out of the Prohibition Era, o protagonista vinha andando de longe e demorava uns 40 segundos para chegar perto da câmera. Para alguns, esses 40 segundos pareciam uma eternidade. Para outros, foi o melhor plano do filme. Gosto é gosto. Bunda é bunda.

Um comentário:

  1. to até com coceira de pensar que existe a possibilidade de eu n estar presente nesta produção! É algo que mexe comigo, ganhei o bichinho desde a primeira vez, e depois tem o Making of ...
    Além do mais esta estória de plano sequencia ... lembro de alguns do faroeste, cenas do Colorado, sou mto curiosa, e ver como se faz é fascinante.

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