sexta-feira, 8 de junho de 2012

Arrogantes egoístas têm salvação

Quando saí do Cine Jóia após ver Heleno, me toquei que a úlitma vez que havia estado naquela sala tinha sido em 2003 para ver O Homem do Ano. Ambos os filmes foram dirigidos por José Henrique Fonseca. Essa coincidência e o fato de ter ficado abalado com a história do craque do Botafogo me fizeram caminhar pelas ruas de Copacabana.
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A ARROGÂNCIA. Heleno de Freitas era um craque. Era idolatrado pela torcida do Botafogo e muitos o consideram um dos melhores jogadores brasileiros de sempre. As mulheres o amavam já que além de ídolo, era bonito e galanteador. O jogador se considerava melhor que todos, acima do bem e do mal. Sua arrogância o levou ao isolamento. Seus companheiros de time não o aceitavam. Os técnicos o boicotavam.  A imprensa o sacaneava. Quanto mais criticado, mais Heleno se inflava, se achando o dono do mundo. Assim como o Botafogo, era uma estrela solitária.
Não se tratou da sífilis que o corroía achando que era imortal. Cheirava éter e se embriagava na tentativa de fugir. Se entregava a encontros sexuais constantes na tentativa de buscar afeto e compreensão.
Sempre fui perna de pau, mas me identifiquei com a história do craque. Justamente em 2003, no ano que assisti ao outro filme de José Fonseca, me encontrava em situação semelhante. Um recém formado cineasta que se hospedou no Rio de Janeiro por 15 dias. Tinha mil dólares no bolso numa época que a cotação estava 3 para 1. Estava rico. Estava com meu primeiro curta debaixo do braço, indo a produtoras cariocas em busca de contatos e trabalho. Vinha duma depressão semi-profunda por já não suportar mais morar no frio de Nova York. Cheio de expectativas ouvi diversos elogios cariocas em relação ao meu filme e quanto a meu talento. Me apresentaram para dramaturgos, atores Globais, muheres sensuais. No entanto, não passava disso. A depressão voltou a se instalar. Já que não obtinha resultados profissionais na minha passagem pelo Rio, resolvi obter resultados da carne. Gastei os 3 mil reais me entorpecendo e nos braços de uma, duas e até três mulheres por noite. De dia paquerava e transava com as mulheres que conhecia na praia. À noite, saía de uma boate de strip-tease, caminhava pela podridão da Avenida Atlântica, e entrava em outra. Assim como Heleno, buscava esquecer a falta de reconhecimento pelo meu talento na putaria nossa de cada esquina. "Eu sou foda, o resto que exploda". Minha arrogância me distanciava de tudo e todos e aos poucos ia me destruindo.
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O FILME. Li uma crítica que comparava a transformação de Santoro com a de Robert Deniro em Raging Bull/Touro Indomável. Rodrigo Santoro está muito bem no filme e realmente a metamorfose de um atlético jogador em um doente debilitado pela sífilis é impressionante. Depois da excelente atuação em Bicho de Sete Cabeças e muitos filmes mais ou menos pelo caminho, o ator volta a entregar uma grande interpretação.
A comparação com Touro Indomável só pode acontecer no campo da interpretação, porque ao contrário do filme do diretor Martin Scorsese, Heleno não mostra o jogador em ação. Deve ter no máximo cinco minutos de bola rolando durante a projeção. Por quê? Foi falta de dinheiro? Se sim, porque não esperaram e captaram mais grana? Foi uma opção do roteiro? Se sim, porque fazer um filme sobre um dos grandes do futebol sem mostrá-lo em campo? Scorsese explorou ao máximo as lutas de boxe para fazer uma metáfora da vida pessoal de Jake Lamotta, vivido por Deniro. Acho que Heleno perdeu uma grande oportunidade de fazer o mesmo (o jogador sonhava em jogar no Maracanã e no último jogo de sua carreira, único jogo que lá fez, foi expulso por aplicar um carrinho violento. Isso nem é mencionado no filme. Suas peripécias em campo diziam muito de quem ele era fora dele e isso não foi explorado). É um bom filme, mas poderia ser uma obra-prima, o primeiro e único grande filme sobre futebol.
Tenho que tirar o chapéu para o diretor de fotografia Walter Carvalho. Já critiquei muito suas opções estéticas no passado, mas de preto e branco, ele entende muito. Terra Estrangeira, Crime Delicado e Heleno estão aí para não me deixar mentir. Acho que é seu melhor trabalho. 
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O EGOÍSMO. O egocentrismo de Heleno não permitia que visse ou se importasse com ninguém a não ser consigo mesmo. Esnobava a mulher, criticava os amigos e desprezava o filho. O egoísmo de Heleno fazia com que só quisesse receber, mas nunca dar. Queria o amor, a glória, os elogios, mas era incapaz de retribuir.
Sempre me perguntam porque o meu casamento acabou. Respondo que é uma pergunta muito complexa e mudo de assunto. Na verdade, a resposta é simples: egoísmo. Quis tudo para mim, mas nunca quis retribuir. Nenhum relacionamento, seja ele amoroso ou não, resiste à falta da troca. Ouço pessoas dizendo que não têm tempo para o amor porque estão focadas em suas carreiras. Ouço pessoas dizendo que não têm tempo para se encontrar com os amigos porque querem ficar em casa com a namorada. Ouço pessoas lamentando seus problemas mas que não querem escutar o problema dos outros. Revelo meus sentimentos mais profundos e do outro lado, parece que não se importam.
Estou sem paciência para esse mundo individualista em que cada um só foca em si mesmo. Estou me afastando de pessoas assim justamente para não permanecer assim. O egoísmo está me sufocando e destruindo tudo à minha volta. Quero trocar, retribuir. É difícil, mas não é impossível (As Neves do Kilimandjaro, ainda em cartaz, é um ótimo filme sobre a realidade do altruísmo).
Volto ao tema recorrente deste blog: o medo. A arrogância e o egoísmo são muitas vezes uma ramificação do temor que temos de nos entregar aos outros. A arrogância é uma máscara para a insegurança. O egoísmo é uma busca pelo isolamento no intuito de não se ferir. "Ninguém quer ficar triste", ela disse. Mas como saberemos o que é a felicidade sem a tristeza? Sem a porrada, nunca saberemos o que é o sangue. Me proponho ao mergulho. Se tiver correnteza, eu me viro depois. Quero viver sem medo.
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A caminhada de Copacabana até o escritório (a.k.a. Bar Altas Horas) foi longa, mas proveitosa. Pedi uma cerveja e prometi que seria a única. Não iria me entorpecer para tentar apagar minha arrogante e egoísta depressão. O celular toca. Uma amiga, com outras amigas, me chama para uma festa numa cobertura. Deixei a promessa para o dia seguinte.

2 comentários:

  1. Então você continua ainda na vida Bohemia....

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  2. Valorize que realmente gosta de ti e saia desta vida boêmia.#ficadica

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