segunda-feira, 24 de junho de 2013

Revolucionário ImPoTENTE


Sacaneei o tricolor. O cara estava prestes a ser campeão brasileiro e não tinha ido a um único jogo no estádio. Viu tudo pelo pay per view. O Fluminense foi campeão com uma média de público horrível. Que absurdo, eu pensava. Imagina o Galo. Estádio sempre lotado, torcida fanática. Uma torcida assim que merecia ver seu time sagrar-se campeão. Uma torcida que comparece, que está sempre lá nós momentos de tristeza e de alegria.
Tudo isso se esvaneceu hoje (20/06/2013). 
Todos na produtora foram liberados mais cedo. Os funcionários em rebuliço para partir para a manifestação no centro do Rio. Eu desci com o diretor e outro editor. Câmeras a postos para gravar esse momento histórico de mobilização tupiniquim. De repente, o diretor anunciou que iria passar em sua casa para pegar um microfone. Perdi o gás. Ia demorar. Estava na pilha de ir logo. Esmoreci. Peguei o primeiro ônibus rumo a Botafogo. 
Sentei no meu boteco escritório com dois telões para acompanhar todos os detalhes da mobilização nacional. 1 milhão de pessoas nas ruas do Rio. Me senti como um tricolor de pay per view. Minha vida em manifestacões passou pela mente como um filme: inúmeras marchas a favor da legalização da maconha, contra nefastas práticas corruptas na política, contra o Mcdonalds, por melhores condições do ensino público... Até contra as touradas em Portugal já me manifestei. Como presidente do grêmio de estudantes já paralisei minha escola com o movimento estudantil e fechamos uma via principal em pleno dia útil. Pensei: estou sendo omisso? Me alienei? Estava eu, num boteco, vendo nego tomando gás lacrimogêneo na fuça, impotente. Logo eu que criticou aqueles que não votaram no Gabeira porque foram viajar no feriado ou que foram fumar maconha na praia. 
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2002. Sento para ver uma exibição comemorativa de Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri, 1966, dir. Gillo Pontecorvo). O povo revidando violentamente contra anos de colonização francesa. Apenas um ator profissional no filme. Todos os outros foram retirados de seus habitats naturais de revolta e transformados em atores. Vivendo em guetos fortificados da capital, a população colonizada era prisioneira em sua própria terra. A revolta sem violência parecia inviável. Numa série de atentados no mesmo dia, a rebelião toma proporções bélicas. Uma obra prima da sétima arte. Fernando Meirelles já confessou que esse filme foi uma de suas inspirações para realizar Cidade de Deus. Para mim foi uma inspiração para a minha vida artística e social.
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Nas presentes manifestações pelo Brasil, o vandalismo e a violência, criticados pela mídia e até pela maioria dos manifestantes, se faz presente. A imagem dum policial sangrando rodou pela internet. Eu nunca agrediria mas o cara que foi oprimido pelo poder, que já tomou tapa na orelha por fumar um baseado, que subornou sob pressão, vai meter o cacete no PM se tiver oportunidade. Dente por dente. Me chamem de desumano mas fico mais puto com nego pichando o Paço Imperial, um dos poucos prédios antigos preservados no Rio de Janeiro. Mas também não tenho como julgar. A fúria é inexplicável. A revolta é legítima mesmo que injustificável. 
Sempre que vejo tais situações extremas, me recordo de Ônibus 174, um dos melhores documentários já produzidos até hoje. Fala da popular história do sequestro de um ônibus no Rio em que diversas mulheres ficaram à mercê da arma de um assaltante. Acompanhei pela TV o episódio durante todo o dia. Quando o bandido foi capturado e a população tentou linchá-lo, confesso que tive extremo ódio daquele criminoso. Durante o documentário, aprendemos que Sandro (ele deixa de ser só o sequestrador do ônibus e passa a ter um nome), viu sua mãe ser assassinada à facadas na infância. Sem família (uma tia tinha sua guarda mas, como em muitos lares pobres, não tinha como tomar conta do menino pois trabalhava durante todo o dia). Ele passa a frequentar e dormir nas ruas e a viver de pequenos assaltos e esmolas. Ele sobreviveu miraculosamente à chacina da Candelária que deixou 8 jovens mortos à sangue frio pela polícia. Do crime, entrou na cocaína e aí aquele abraço. Durante o documentário, todos os depoentes afirmam que Sandro era uma pessoa pacata e gente boa (até mesmo o carcereiro, de uma das inúmeras cadeias por onde passou, dizia isso). Sandro deixava de ser invisível para a sociedade ao se tornar manchete de jornal. Uma vítima da sociedade. 
No momento, a sociedade se encontra tão desamparada quanto Sandro. Já tomou muita porrada. Já deixou muito dinheiro suado no bolso de muitos políticos. E essa sociedade não vê retorno. Quando um animal se sente encurralado, ele ataca. Demorou muito para o bicho brasileiro acordar e mesmo que tenha sido um rompante temporário, ele acordou. Apesar do Jornal Nacional da Globo tentar manipular as imagens para que acreditemos que as manifestações foram atos bárbaros sem sentido, a maioria sabe que não é por aí. A maioria se manifestou pacificamente e tivemos uma minoria revoltada que depredou. Toda guerra tem efeitos colaterais. Fico puto ao ver gente pilhando e vandalizando, mas entendo. São muitos anos levando porrada sem reagir. Alguns perdem a cabeça. É normal, apesar da mídia achar que não é.
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2006. Minha mãe passou a vida inteira dizendo que eu tinha que assistir Z de Costa Gavras. Vi.
O conteúdo é espetacular. Busca-se justiça contra o assassinato de ativistas que não queriam mísseis americanos em território grego. O governo Grego afirma que foram acidentes, mas acredita-se que seja queima de arquivo. O poder oprime e tenta sempre tirar a legitimidade dos fatos reais. Mas a luta continua até os argumentos de um investigador prevalecerem. Nada acontece nos olhos da lei mas a população sabe da realidade. Esse é o primeiro passo para acordar.
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O Brasil está ciente das bandalheiras. Passo um: completo. Faltava acordar e agir. Estamos aí. Lembrando sempre que a urna é o melhor meio de mudança. Acredito nisso. Sempre.
Vi uma postagem no Facebook de um amigo que trabalha no centro do Rio: "vou sair mais cedo do trabalho, tô muito velho pra Che Guevara."
Esse sou eu? Tô velho pra essas porras?
Não. 
Estou focado profissionalmente, mas minha vida pessoal está um pouco confusa. Me sinto cansado. Me sinto angustiado. Não estou me sentindo bem. Não tive forças para sair, mas continuo aqui no meu ativismo. Estou perdido, um pouco como essas manifestações que são super legítimas mas que estão sem direcionamento. O aumento da tarifa do ônibus foi revogado e deixou a mobilização em busca de novas exigências. Cada um tem a sua. Estarei presente para formular junto com o povo o mínimo que esperamos do governo. Desta vez fui um espectador não-participante, mas aqueles que me conhecem sabem que em breve estarei de volta às ruas. 

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