segunda-feira, 29 de junho de 2009

Dissertando sobre óbitos

David Carradine será lembrado como o cara que estrelou uma série cult chamada Kung Fu e morreu num ato de asfixia erótica.

Farrah Fawcett não terá sequer menção de sua passagem por As Panteras ou por sua morte devido a um câncer. Na melhor das hipóteses, será lembrada por esta foto ao lado.

James Dean é conhecido por morrer num acidente de carro antes de ver seus filmes em cartaz. Quantas pessoas hoje em dia viram um de seus três filmes East of Eden, Rebel without a Cause ou Giant? Notoriedade por atos fora da tela.
Um ótimo professor de história que tive na faculdade disse: "Alexandre, o Grande, conquistou o mundo conhecido achando que teria um lugar de destaque na história, mas hoje não passa de um pontinho." Quantas pessoas realmente fazem a diferença?

Se eu fosse negro e fizesse inúmeras cirurgias para parecer branco, fosse levado a tribunal por pedofilia (DUAS VEZES), andasse constantemente com máscaras cirúrgicas, tivesse três filhos por inseminação artificial sem nunca ter tentado por vias naturais, esse seria meu legado post mortem. Michael Jackson ultrapassa tudo isso. Ele fez a diferença.
Ele teve uma importância fundamental para o cinema. Claro que não foi pela bomba Moonwalker ou pelo racista The Wiz (uma refilmagem do Mágico de Oz com elenco e equipe técnica formada exclusivamente por negros. Michael fazia o Espantalho. Porque minha mãe alugou este filme???). Os clipes de Off the Wall eram cintilantes e psicodélicos. Imitados à exaustão (até por Raul Seixas em 10,000 anos atrás). Thriller transformou o clipe de promoção em uma arte em si. Black and White criou a fusão de rostos, um efeito especial que deixou a todos de queixo caído. Michael queria sempre inovar, queria ser sempre o melhor. Enquanto artistas tentam lançar um álbum por ano, Jackson, a partir de Off the Wall, nunca lançou discos com menos de três anos entre eles. Michael Jackson na música era como Spielberg no cinema. Ele trabalhava arduosamente em seu projeto, criava uma expectativa tremenda, e correspondia. Todos queriam ver o clipe de lançamento do novo álbum de Michael Jackson. Até quem não gostava.

As coreografias de Beat it e Bad influenciaram todos os filmes musicais modernos. Sem falar na edição. A influência de Billy Jean, então, é incomensurável.

Em 1992 vi um show da turnê Dangerous. Mesmo que tampasse os ouvidos, sairia satisfeito. Um delirante espetáculo visual. Um moonwalk pelo palco inteiro. Explosões em meio de coreografias deslumbrantes. E no final, Michael colocou um jet pack da NASA e saiu sobrevoando a cabeça de todos no estádio (eu sei que era um dublê, mas me deixa viajar). Quem não foi ao show viu isso de novo na Grande Rio em 2001... 9 anos depois.

Michael Jackson foi responsável pela introdução do negro no mercado de entretenimento musical americano (ironicamente fugiu à própria cor em inúmeras cirurgias). Quase arremessou o filho duma sacada. Fez a famosa campanha "Uiardeuord ue arr de tchildren" ajudando milhares de africanos. Atropelou um moleque no Rio que só queria um autógrafo (engraçada a cara do moleque todo ferrado no hospital, feliz da vida porque Jackson foi visitá-lo). Fodeu com Paul McCartney ao comprar metade do acervo das músicas dos Beatles que foram a leilão. E. E. E.

Nada disso será lembrado. Sua obra é mais importante que seus atos como pessoa física. Pedófilo, racista, estranho, aberração, não importa. Sua música e sua dança trouxeram mais alegria que tristeza. Alguém já cantou tão bem e dançou tão bem quanto ele?

No Globo de domingo, uma economista disse: "Artista que saiu perdendo para o homem". Pois eu acho justamente o contrário. O Homem transtornado, molestado, acossado, repugnado, inocentado, acusado, ilibado, privado de infância, saiu perdendo para o artista. E é do artista que nos lembraremos.

Um comentário:

  1. Este espetáculo - não um concerto, sim UM ESPETÁCULO - "Dangerous", foi o melhor que vi em td minha vida. Lembro tb da guitarrista com um cabelo enorme fazendo um solo em pé sobre um jato de ar ... Tenho imensa pena que ele tenha sido tão infeliz principalmente pq eles fez muita gente feliz, vi um especial e até os 12,14, 16 anos ao receber os premios há sorrisos de verdade, alegria, olhar de frente, depois só esgares e óculos, e uma pungente declaração de solidão.
    A maioria dos genios sentiu isso e qdo puderam expressá-lo a posteridade sentiu tb, qto a solidão, é inerente ao homem.

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