quarta-feira, 7 de março de 2012

O DoCE temPERo do Pé nA BUNda


Um filme que foi bastante exibido na minha faculdade chamava-se New York Stories. Era um filme dividido em três histórias dirigidas por Martin Scorsese, FF Coppola e Woody Allen. Estudávamos a de Scorcese (as outras duas eram descartáveis). Nick Nolte fazia um pintor que estava à beira da separação com sua namorada bem mais jovem. Ele tem que entregar uma série de quadros para uma exposição mas vive um bloqueio criativo por causa do turbilhão que está a sua vida amorosa. Quando ela leva um cara para dentro do apartamento (que ainda divide com o pintor), o relacionamento chega ao final. Sozinho no estúdio, com a relação terminada, ele começa a produzir incansavelmente e consegue cumprir o prazo e entregar os quadros para a exposição. Na vernissage, com a missão artística cumprida, ele começa a flertar com uma atraente garçonete e um novo ciclo de paixão se anuncia. O personagem necessita viver intensamente uma paixão, terminar esse relacionamento gerando muito conflito para conseguir criar.
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Após o término do meu casamento, senti um vazio incrível. Perdi não só a minha mulher como a minha melhor amiga. Fiquei duplamente orfão. Durante dois meses não olhava sequer para outras mulheres, não conseguia ver graça. Esperava que o tempo colaborasse comigo e me ajudasse a esquecer. No entanto, o tempo não estava colaborando. Resolvi usufruir do clichê máximo aconselhado para essas situações: mergulhar no trabalho. Durante um ano, abri minha produtora, escrevi curtas, desenvolvi projetos, tive várias reuniões criativas e consegui pela primeira vez, trabalhos remunerados como diretor. A dor não se esvaiu, mas pelo menos diminuiu. Neste carnaval, ao completar um ano do fim, me desmaterializei na folia momesca, me diverti como um Baco e finalmente consegui me libertar. Todo mundo leva um pé na bunda em alguma ocasião da vida e cai de boca no chão. Lembrei de Sêneca e sua imortal frase: "A honra não consiste em nunca cair, e sim em levantar cada vez que se cai."
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Quem conhece a obra de David Lynch sabe que seus filmes são sombrios, estranhos e que

podem causar mal estar. Sempre fui um de seus ardorosos seguidores e me espantei ao ler seu livro Em águas profundas. Li um autor calmo, que medita e que não se assemelha em nada a seus personagens malucos. Fiquei ainda mais espantado quando ele placidamente declara que antes de começar a meditar, vivia em conflito com sua esposa e que esse foi o período menos criativo de sua vida. Seus roteiros vêm de suas observações mundanas e não de seus conflitos internos.
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Neste ano solteiro, voltei a jogar futebol, a exercer a paciência e a criar muito (desde os tempos da faculdade que não sentia meu cérebro tão ativo). Por que temos que levar um pé na bunda para colocar a vida em ordem? A verdade é que não precisamos. Ficamos acomodados no casamento, observando a barriga crescer e a ruptura da relação nos obriga a mudar a rotina.
Estava no meu escritório (como carinhosamente chamo o boteco que frequento) com um amigo e mencionei que tinha conhecido uma mulher muito interessante e que estava disposto a começar um novo relacionamento. Ele, também um artista, declarou: "Você não pode casar agora. Sua carreira ainda não está estabelecida." Ri da afirmação e me pus a pensar... Por que um relacionamento sério é empecilho para a criação? Não é. Tudo é possível, basta ter força de vontade. Assim como no curta que estou produzindo (Mega Sena da Faro Filmes) que fala sobre lendas urbanas que supostamente não existem, em algum lugar um anão está sendo enterrado, gêmeos pretos estão nascendo e um gay se converterá em heterossexual. Tudo é possível.
Não comecei a namorar a tal mulher interessante por fatores que prefiro não expressar, mas a ligeira frustração que isso proporcionou, não me bloqueou criativamente. Assim como a felicidade de um relacionamento amoroso também não pode bloquear. Sozinho, continuo caminhando.

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