quinta-feira, 26 de abril de 2012

Além da CAntAdA

Depois de muito trabalho, buscava o escurinho do cinema. Queria prestigiar o cinema tupiniquim vendo Heleno ou Xingu, mas a distância e a preguiça me impediram. Fui ao cinema perto de casa mesmo. Fui assistir a um filme que a sinopse havia me intrigado: Cairo 678. O filme conta a história de mulheres que sofrem assédio sexual diariamente pelas ruas do Cairo, Egito. O título da película se refere a uma linha de ônibus que devido a sua grande lotação, permite que homens fiquem com as mãos bobas no coletivo. Uma mulher decide dar um basta ao assédio diário através da violência.
Lembrei da primeira vez que vi o vagão exclusivo para mulheres no Metrô do Rio. Dentro de um horário X, somente mulheres podem entrar nesse vagão segregado. Achei que outras minorias (engraçado falar da mulher como minoria no Brasil, já que são maioria de acordo com o censo) deveriam também reivindicar seus respectivos vagões. Um vagão para preto não ser chamado de crioulo. Um vagão para os homossexuais não tomarem porrada por serem viados. Talvez até, um vagão para os judeus não serem chamados de pão-duros. O segredo da convivência estaria na proibição ou na fiscalização? Na segregação ou na educação?
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Enquanto garçom em Nova York, trabalhei em dois restaurantes em bairros gays. Foi importantíssimo para extinguir minha homofobia oriunda da "tradicional família mineira". Me acostumei a ver dois neguinhos se pegando. Finalmente, descobri que estava curado desse preconceito quando vi dois caras andando de mãos dadas. A pergunta que expurgou meu preconceito: O que eu tenho a ver com a vida privada desses barbados?
Outra lição caminhando por Chelsea e West Village foi a compreensão do status da mulher cantada e assediada pelas ruas. Eu levava pelo menos duas cantadas por noite ao caminhar para o metrô (e olha que eram só quatro quarteirões). Eu, como uma donzela de cuecas, imitava as mulheres, ignorava a gracinha e seguia meu caminho.
Muito se comenta sobre a tal promiscuidade dos homossexuais e uma vez um colega de restaurante, que era gay, me disse: "Viado é promíscuo porque é homem e não porque é viado". Faz sentido.
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Cairo 678 é uma viagem à outro patamar de cultura. Mulheres que ao colocar o pé na rua, sofrem agressões sexuais, verbais, físicas. Um local onde pegar um ônibus pode ser uma viagem desagradável e intrusiva. É a introspecção de nossa ignorância de país "democrático". Uma estratosfera em que a mulher não ocupa qualquer espaço de importância na sociedade.
Independente do filme se arrastar, senti uma lufada de conhecimento ao enxergar diferenças tão exdrúxulas no mesmo planeta. Um estudo antropológico do Egito, cultura que já foi considerada uma das mais avançadas do período pré-Cristo.
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Saio do cinema. Acendo um cigarro e caminho o quarteirão até meu prédio. Um cara bombado passa por mim e sussura: "Delícia".
Acabou-se o conceito da "bicha" magra e desmunhecada. O cara era um armário. Continuei caminhando. Cantada: o primeiro escalão do assédio. O lado feminino veio à tona.
Entro no prédio e o porteiro cumprimenta: "Boa noite, Doutor." Não gosto que me chamem de doutor, mas nesse dia foi bom. Ser mulher ou gay deve ser bem complicado.

Um comentário:

  1. Com certeza é complicado ser mulher...Até para expor seus sentimenos é complicado...Por exemplo:Gostaria muito de chegar até ti e falar o que sinto,mas por ser mulher,você pode achar muito "pra frente"

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